Antes mesmo do resultado de exame que transformou minha história, eu tinha consciência que HIV é coisa séria. É sério para quem tem; é sério se sei da condição de alguém; é sério se está dentro de nossa casa, de nosso ciclo de amigos e de familiares. Talvez por isso, raramente o vírus está no centro das conversas. As pessoas preferem não falar sobre esse assunto “negativo” ou entendem que o problema é dos portadores.
LadoPositivo2Realmente é um assunto íntimo. No entanto, o outro lado dessa moeda se mostra quando uma pessoa sabidamente soropositiva sai de um local e a doença vira assunto entre os demais. É curioso como isso se manifesta de diferentes formas, inclusive com a criação de fantasias sobre a vida com o HIV. Se a pessoa é “esforçada”, a disposição para o trabalho se transforma em um exemplo de superação do vírus. Se troca constantemente de emprego, é porque essa situação abala o emocional. Se engordou, é por causa dos remédios. Se emagreceu, da doença.
Geralmente, essas histórias, esse cemitério de boas ou de más intenções, não reconhecem os sujeitos que são seus personagens. A notícia de que um conhecido e sua esposa estão doentes devido à infecção por HIV pegou muita gente da minha vizinhança de surpresa. Tenho visto vários “amigos do amigo de fulano” colocando o HIV no centro das fofocas, e de uma hora para outra todos parecem saber tanto sobre a doença que chego a ficar assustado.
Antes mesmo de se reconhecer como soropositivo, o sujeito convive com uma noção sobre o que isso significa. É uma coisa cruel porque parece que vivemos diante de uma experiência única do vírus. O saber científico diz que a SIDA destrói o nosso sistema imunológico e que nossos remédios servem para colocar o mal “para dormir”, sem que a doença se manifeste em nosso corpo. Politicamente, somos todos positivos, unidos por nosso sangue, a favor do mesmo laço vermelho. Porém, não vivemos o HIV da mesma forma. É claro que temos que nos homogeneizar e brigar com unhas e dentes contra a violência social, médica e simbólica, mas chegando em casa voltamos a ser “X” com os seus problemas. E no dia a dia, vai importar mais o que amigos, familiares e vizinhos estão pensando e falando (ou calando) sobre aquilo que vive (e mata) dentro de nós.
No dos outros é refresco. É fácil. Como se trata de uma marca social, de um fardo moral que identifica e estigmatiza pessoas, a chance de “crescer” sobre o outro é irresistível. Ter o que falar dos outros é sempre melhor, mas utilizar o drama alheio para esconder os seus é uma estratégia que me faz perguntar: quem será a nossa próxima vítima? Qual será a situação que vamos simplesmente supor que tenha levado à infecção?
Fazer esse tipo de fofoca é sempre um tiro no escuro. Quando ele acerta, é ponto pra AIDS, que vira problema geral. Há ainda muito o que aprender sobre essa condição, especialmente em termos de seu impacto social. E se um vírus é capaz de apagar individualidades, precisamos parar de colocar “a Aids dos outros” na roleta russa do próximo “doente”. Isso é preconceito sim, e dos piores.
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