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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

BRASIL: O debate raso das redes sociais e o racismo nosso de todo dia

Desde a oficialização do 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, é comum vermos nas redes sociais publicações do tipo: “Todo dia é dia de consciência negra, por isso não precisamos do dia 20”, “Não precisamos de mais um feriado” ou “O Brasil não precisa de cotas raciais, mas de cotas sociais”. O objetivo, no fundo, é sempre o mesmo: desqualificar a importância dessa data e fugir de um debate salutar para o avanço da igualdade racial.

Por Dayane Santos


Reprodução
  

Num grupo que participo, um colega contou que se sentia discriminado pela abordagem policial. Segundo ele, a polícia o abordou da seguinte forma quando voltava de um jogo de futebol com os amigos: “Coloca a mão na cabeça, ladrão!”. E completou: “Estava de bermuda e camisa de futebol e sou o mais escuro”.

Em seguida veio o comentário: “Ah, não apela. Para de se diferenciar pela sua cor porque isso não muda nada. Para ser ladrão e filho de uma quenga isso não muda nada... Caráter é inerente em relação à melanina da pele”. A visão de ambos evidência o desafio que ainda temos que enfrentar quando o assunto é discriminação racial.

Para alguns, os mais de 400 anos de escravidão e, posteriormente, a história contada de que a princesa Isabel “libertou” os escravos num gesto de bondade implantou também, num passe de mágica, a meritocracia, ou seja, vence quem têm mais méritos, os mais dedicados e bem dotados intelectualmente. Portanto, como afirmou o colega do grupo, as denúncias feitas pela população negra apontando a discriminação racial é apenas uma choradeira para se colocar como vítima.

Os livros de história foram verdadeiros materiais de propaganda que venderam a falsa ideia da democracia racial, transformando a abolição da escravatura como fruto da bondade e do humanismo de uma princesa branca.

O processo de abolição foi na verdade marcado por uma luta coletiva e sangrenta com heróis apagados pela história. De um lado, a pressão das forças econômicas da Revolução Industrial, capitaneadas pela Inglaterra, ávida por mercados para os seus produtos manufaturados, e de outro, o aumento da resistência negra espalhada em diversos pontos do país, produzindo revoltas com a queima de engenhos e a destruição de fazendas. Tudo isso e mais um pouco resultou no 13 de maio de 1888, sendo o último país do mundo a abolir oficialmente a escravidão.

O mito da “democracia racial”

Ao longo de 127 anos esse mito da “democracia racial”, formulado conceitualmente por Gilberto Freyre, ainda permanece convenientemente no imaginário dos brasileiros, reforçando a ideia de que não existe racismo no Brasil.

Voltando ao debate no grupo, o colega continuou a sua argumentação sobre a questão racial, mas desta vez para dizer que, vejam só, já sofreu racismo por ser branco. Esse é outro argumento muito utilizado para tentar minimizar a questão racial. Usam, por exemplo, o preconceito sofrido pelas loiras que nas piadas de mau gosto são chamadas de “burras”. É obvio que se trata de preconceito resultado da opressão machista e deve ser combatido. Mas, diferentemente das mulheres negras, elas não são barradas em estabelecimentos ou preteridas no mercado de trabalho. 

Minha reação foi tentar sair das experiências pessoais, apesar de pensar sobre o assunto a partir da minha história e dos desafios enfrentados quando me descobri negra e assumi a minha negritude. Sem fazer qualquer comentário, postei pesquisas recentes que mostram fatos: um jovem negro tem 2,5 vezes mais chances de ser morto; que o homicídio de mulheres negras cresceu 54% nos últimos 10 anos; e o que salário do negro é 57,4% menor do que o salário dos brancos. A resposta às minhas postagens foi: “Suas estatísticas não vão mudar o que eu vejo e tomo como exemplo! Até porque não discordo delas”.

Não discorda, mas não aceita que existe racismo. Que a discriminação racial mata, desemprega, destrói a autoestima e joga na miséria milhares e milhares de pessoas. Não discorda, mas acredita que a denunciar o racismo ou simplesmente falar desse flagelo é coisa de gente que quer se vitimizar. Também existem os que gostam de dizer que se trata de mágoa, uma tentativa insistente de colocar a culpa nos brancos.

O desafio é compreender que o racismo existe. E não se trata de encontrar culpados. Nós ainda discutimos a questão racial partindo do princípio que o racismo não existe. Trata-se de uma invenção dos negros para culpar os brancos pelas suas frustrações, pela sua falta de competência. 

Esse é o efeito mais cruel do racismo: transformar o oprimido em opressor. Ao denunciar a discriminação que é vítima, o negro é classificado como complexado, um ressentido. Esse é o racismo no Brasil. As pessoas veem, mas fingem não ver. Afinal, dizer que é racista é politicamente incorreto, mas agir como um ou ser cúmplice, não.

Debater é preciso

É preciso compreender que debater o preconceito racial não é uma tentativa de culpar quem quer que seja, mas um caminho para promover e construir uma verdadeira democracia racial. Para isso, é preciso reconhecer que, apesar de ser maioria da população brasileira, o negro não está presente da mesma forma nos espaços de poder, e pior, a população negra é deliberadamente preterida. Essa lógica se repete no cotidiano das pessoas, no mercado de trabalho e no funcionamento das instituições públicas, ou seja, a política de privilégio branco em detrimento do negro institucionalizada, sendo parte natural do cotidiano das pessoas, mas evidenciado nas desigualdades sociais e econômicas. Por isso, as políticas públicas são fundamentais para mudar verdadeiramente esse cenário.

Resistência

Contudo, isso não foi capaz de impedir a organização, a luta e o avanço da população negra, ainda que a passos lentos. Uma das principais conquistas asseguradas está consagrada na Constituição de 1988, exatos 100 anos depois do fim da escravidão, que instituiu, em seu artigo 5º, a prática de racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, graças à luta do movimento negro.

Em 1989, houve mudança no Código Penal por meio da Lei 7.716/89, que trata do crime de racismo e discriminação racial, bem como a introdução do parágrafo 3º no artigo 140, com a figura da “injúria qualificada”. 

Essa luta também foi capaz de garantir, ainda que com muitas dificuldades, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, a implantação de política afirmativas, como as cotas nas universidades e a criação, em março de 2003, pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), atualmente vinculada ao Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.

Essas e tantas outras conquistas fortalecem a luta pela igualdade racial e por um Brasil verdadeiramente democrático e livre. Mas uma das que considero de fundamental valor é o dia 20 de novembro porque felizmente podemos falar, ouvir, escrever e debater sobre esse assunto para que, de fato, possamos construir uma Consciência Negra. Trata-se de um reencontro com a nossa verdadeira história, reconhecendo os erros, resgatando os heróis e apontando os desafios.

Por isso, viva o 20 de novembro! Viva Zumbi dos Palmares! Viva o Dia da Consciência Negra! 


Do Portal Vermelho

Com coragem e luta, Marcha das Mulheres Negras enfrenta o racismo

Marcha das Mulheres Negras leva música e cor para BrasíliaMarcha das Mulheres Negras leva música e cor para Brasília

As mulheres negras encheram as ruas de Brasília-DF, nesta terça-feira (18), com cor, música e discursos contra a violência e o racismo. Até chegar em frente ao prédio do Congresso Nacional, a marcha, que saiu do Ginásio Nilson Nelson, percorreu o Eixo Monumental e a Esplanada dos Ministérios com faixas, cartazes e palavras de ordem “contra o racismo, contra a violência, pelo bem estar”. E receberam de parlamentares, ao longo da marcha, palavras de apoio.


Com um disparo de arma de fogo e vários rojões, um manifestante do acampamento que pede o impeachment da presidenta Dilma e a volta do regime militar tentou provocar tumulto na Marcha das Mulheres Negras. A correria das mulheres, inclusive idosas, não foi o suficiente para dispersar a marcha. 


As palavras de apoio foram novamente ouvidas durante a sessão do Congresso Nacional, que acontecia no mesmo momento em que houve o tumulto provocando pelos manifestantes golpistas. Foi a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), quem pediu ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que presidia a sessão, que fosse feita uma revista no acampamento dos manifestantes golpistas. Na semana passada, a polícia prendeu um sargento reformado da polícia que participava do acampamento com uma pistola e várias armas brancas.



Luciana Santos, presidenta do PCdoB e deputada federal por Pernambuco, presenciou estarrecida a “cena de horror” e relatou: “Eu estava vindo com a Marcha das Mulheres Negras em direção ao Congresso Nacional quando um manifestante pró-impeachment atirou para cima no meio da marcha. Foram 3 tiros! Uma manifestação de ódio e intolerância que nós não podemos aceitar. O PCdoB vai reagir à altura e solicitar à mesa diretora da Câmara e do Senado que não permita esse acampamento com pessoas armadas, perto do Congresso Nacional. Isso vai de encontro a qualquer tipo de manifestação plural e democrática”.

Luciana contou ainda que depois do susto inicial “e vendo que todas estávamos bem, consegui registrar o momento da prisão. Um absurdo que o rancor e a intolerância tentem tomar o lugar da coragem, da força, da alegria e da combatividade que marcaram esta linda Marcha das Mulheres Negras 2015”, desabafou.





Durante a Marcha das Mulheres Negras, em cima do carro de som, a líder do PCdoB na Câmara, Jandira Feghali, declarou: “Nós não podemos permitir que as mulheres sejam assassinadas no aborto ilegal. Nós não podemos permitir que os homens entendam as mulheres negras como algo que possa ser descartado da vida com violência familiar”.


 Movimento de luta

Com roupas e turbantes coloridos, com música e dança, cartazes e discursos, cerca de 25 mil mulheres negras percorreram as ruas anunciando que marchariam “até que todas as mulheres sejam livres”.


A presidenta da Unegro no Distrito Federal, Santa Alves, considerou a marcha um grande sucesso pela força demonstrada pelas mulheres negras, reforçando o desejo das mulheres negras de combater o racismo que as oprime, para garantir a construção de uma sociedade de bem-estar. E acrescentou que as mulheres negras não vão permitir que o Congresso aprove matérias que aumente a opressão contra as mulheres.



Um grupo de mulheres do Quilombo Quingoma, de Lauro de Freitas, na Bahia, aproveitaram a marcha para denunciar as ameaças à comunidade remanescente de quilombolas com a construção da Via Metropolitana Camaçari-Lauro de Freitas, que vai passar dentro da terra delas.

Vídeo com as mulheres cantando.


Agressão dos golpistas



A marcha alegre que chegou em frente ao prédio do Congresso Nacional, parada tradicional das manifestações públicas, foi recebida com tiros por um sargento da polícia que foi preso em seguida. Ele alegou que se sentiu “ameaçado” pela presença das mulheres negras no espaço público.



Após os tiros, seguido de rojões, houve correria e dispersão. As mulheres ocuparam o gramado onde estão acampados os golpistas, que as ameaçaram e expulsaram do local. A polícia legislativa, que fez um cerco na entrada do prédio do Congresso, a tudo assistiu sem nenhuma interferência.



Do alto do carro de som, as organizadoras da marcha pediam as mulheres que não aceitassem provocação, saíssem do gramado e seguissem a marcha, que continuou pelo outro lado da Esplanada dos Ministérios, após a prisão do golpista.

De Brasília
Márcia Xavier 
Portal Vermelho