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domingo, 8 de outubro de 2017

MBL mira arte e sexo, espalha o caos e quer vnder solução

 MBL cultiva relações com represnetantes da extrema-direita


Há um homem nu, deitado, inerte. Ao lado dele, uma menina de uns cinco anos, acompanhada da mãe. As duas estão vestidas. A mãe então encoraja a menina a tocar no homem, e ela toca. Na canela, depois no braço. E é isso. Foi esse o trecho de um vídeo de uma performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), que deixou a imprensa e as redes sociais em polvorosa nos últimos dias.

Mas afinal, uma criança tocar na canela de um homem nu é pedofilia? Segundo o Manual Diagnóstico e Estatísticas de Doenças Mentais (DSM-5), a pedofilia envolve excitação sexual intensa e urgências sexuais relacionadas a adolescentes ou crianças. No vídeo do MAM não há sinais de excitação, nem nada que remeta a sexo. Além disso, a nudez, exposta de maneira “não-erótica”, é autorizada pelo Ministério da Justiça mesmo em atrações de classificação livre. Então fica difícil não ver exagero na reação ao episódio.





Na terça (3), deputados bateram boca no plenário e quase trocaram sopapos por conta do assunto: “Não consigo acreditar que tenha algum pilantra, algum vagabundo dentro dessa Casa que aplauda isso, porque se tiver tem que levar porrada”, disse o deputado João Rodrigues (PSD), que, em 2015, foi flagrado vendo pornografia no celular durante a votação de reforma política. “Bando de safado, bando de vagabundo, bando de traidores da moral da família brasileira. Tem que ir pra porrada com esses canalhas”, prosseguiu.

A indignação havia começado na semana passada, e já contava com nomes de peso. Para o pós-prefeito de São Paulo, João Doria, os artistas precisam “respeitar a família, respeitar os direitos, respeitar as religiões, respeitar a liberdade alheia”. O vídeo, cheio de cortes e repetições maçantes, teve quase 18 mil compartilhamentos.

Mas o maior crítico da performance “La Bête” foi, claro, Kim Kataguiri, chefe do Movimento Brasil Livre (MBL), guru púbere da juventude reacionária.

“As crianças são um fim em si mesmo”, disse Kim, também em vídeo. “As crianças não são um meio, não são um instrumento, não são um objeto para serem usadas, seja com fins políticos, seja com fins o que quer que seja, como foi nessa exposição”, concluiu.

Para além das frases mal ajambradas de Kataguiri, a ação miliciana do MBL nas redes vitaminou a polêmica e espalhou o vídeo do MAM aos quatro cantos da internet. Ironicamente, segundo especialistas, essa visibilidade tende a ser mais prejudicial à criança do que o suposto trauma.

O que seria pior, caro leitor? Ir para a escolinha no dia seguinte depois de encostar na canela de um homem nu ou depois de ser retratada como vítima de pedofilia ao olhos do país inteiro? Diante desse risco, o Ministério Público de São Paulo pediu investigações para que os vídeos com o trecho da performance fossem retirados do ar.

Claro que, a esta altura, o estrago provavelmente está feito e é bem provável que aquela menina carregue por um bom tempo, se não para a vida inteira, o trauma de ter sido “a pobre criança que encostou no tarado pedófilo”.

As reações contrárias às tentativas de censura vieram sobretudo da classe artística, mas a patrulha reacionária tem mirado algo além da arte. Todas as manifestações artísticas atacadas têm, em comum, alguma carga de sexualidade. Claro que essa sexualidade, ao menos no caso do MAM, parece estar só na mente de Kataguiri e seu séquito.

O medo do falo

A relação do sexo com o poder e com a política é um dos traços mais antigos da nossa civilização, como mostra o historiador Peter N. Stearns. Em seu livro “História da Sexualidade”, ele conta como a agricultura deu origem ao sistema patriarcal que, em menor ou maior grau, tem se perpetuado até hoje.

Segundo o PhD em Harvard, quando o homem começou a cultivar a terra, surgiu a necessidade de saber quem era filho de quem, para que a herança fosse passada de geração em geração. A partir daí, o controle da sexualidade passou a ser uma forma de perpetuar riqueza e poder.

Em outro livro, “A Revolução Sexual” , o psicanalista Wilhelm Reich fala dos perigos trazidos pelo medo e pela hipocrisia ligados ao sexo. Para ele, esses fatores fazem com que as famílias e a sociedade no geral se tornem opressoras em relação à sexualidade, abrindo espaço para ditaduras. Diante da opressão, “o indivíduo está sempre com medo da vida e da autoridade e assim estabelece repetidamente a possibilidade de as massas poderem ser dominadas por um punhado de poderosos”, escreveu.

O pensador austríaco estava falando sobre a sociedade da primeira metade do século passado. Muitas águas rolaram depois, com Zé Celso Martinez, Hugh Hefner e o Bonde do Rolê. Mas a teoria parece adequada aos dias atuais.

O MBL, assim como os patriarcas do começo da agricultura, parece preocupado em manter o poder econômico na mão de um grupo de elite e longe das massas. Ao mesmo tempo, se constitui na mais perfeita união de opressão e hipocrisia no campo sexual.

Um dos fundadores do grupo que se apresenta como guardião da moralidade cristã, Pedro D’Eyrot, também foi um dos criadores do, vejam só, Bonde do Rolê. Ao leitor que passou incólume por essa “ameaça aos bons costumes”, fica a sugestão de uma espiadela no Youtube. Ali repousam pérolas em forma de canção, com letras como:


“Eu quero é te comer de pé
(então me compra um picolé, eu vou chupar, eu vou chupar)
Só palito vai sobrar”


O desleixo com a boa conduta cristã do MBL vai além. Em junho, o grupo divulgou um vídeo em que Kim Kataguiri defendia o fim do regime semiaberto. Diante da quantidade de baboseiras ditas pelo guru-mirim, a Agência Pública de jornalismo mandou um email pedindo a fonte das informações. Recebeu, como resposta, a foto de um avantajado pênis ereto. Falso, claro. O falo vinha com um capacete azul escrito “imprensa”, acompanhado da frase “check this!”.

Por essas e outras é pouco provável que o MBL esteja de fato preocupado com um possível trauma causado pelo peladão do MAM, ou com a criança sendo usada como “um fim”. Na verdade, se teve alguém que usou a criança, a mãe, o artista e o dinheiro público injetado no MAM como um meio para atingir seus objetivos, foi Kim Kataguiri.


Primeiro, há a criação de uma nova bandeira. Afinal, ao manter as panelas embaixo da pia diante dos escândalos recorrentes do governo atual, o MBL não pode mais gritar contra a corrupção. E uma das saídas tem sido espalhar medo e caos por meio da pregação puritana.
Depois, quando a família brasileira estiver apavorada com os pedófilos, com os transexuais e com o Gregório Duvivier, o MBL tratará de vender a solução. Que virá na forma de um político tinindo de novo, mais barbeado que o homem do Prestobarba, amigo da arte mas avesso a grafites, bloquinhos e outras degenerações comunistas. Sim, estamos falando dele, o pós-prefeito de São Paulo, João Doria.

Porque, por mais desalento que a notícia a seguir possa causar aos fiéis de Bolsonaro, o candidato do MBL é Doria, não o militar da reserva. Bolsonaro aliás, também se pronunciou sobre o famigerado toque na canela: “Canalhas, mil vezes canalhas, a hora de vocês está chegando”, disse o deputado que é conivente com estupro, tortura e pena de morte.

A predileção do MBL por Doria foi escancarada na terça (3) depois de a revista Piauí revelar dois meses de conversa de Whatsapp do grupo. No último domingo de agosto, por exemplo, um dos fundadores da seita enviou uma mensagem cravando que o (ainda) tucano será candidato à presidência. “Dória e ACM Neto é o gabarito”, foi uma das respostas. Já as opiniões sobre Bolsonaro, não são das melhores: “tosco”, “ignorante”, “sem noção”, “inadmissível”.

Libertem o Kraken

A guerrilha do MBL tem trazido frutos. Permitiu que Kim e sua turminha se tornassem protagonistas do movimento que derrubou Dilma Rousseff, ganhando fama e poder. O problema é que o restante da população, usado como massa de manobra, não chegou nem chegará a colocar a mão na cumbuca do poder político e econômico.

Como bem tem mostrado o governo Temer, o objetivo maior de boa parte da classe política é manter o poder e, ao mesmo tempo, favorecer aqueles que sempre estiveram lá. Uma situação que dificilmente mudará se Kim e seus amiguinhos chegarem ao comando do país. Afinal, quem poderáesquecer da foto do pequeno moralista com o dedinho em riste ao lado do larápio Eduardo Cunha?



Há ainda que se considerar a hipótese, bastante provável, de que, mesmo que se criem as condições para um futuro governo de direita, ele não seja erguido pelo MBL e por seus ídolos de ocasião. Em 1964, por exemplo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade abriu o terreno para uma ditadura militar que durou duas décadas.

Ironicamente, uma das maiores vítimas do golpe foi, justamente, a suposta liberdade, almejada por parte da classe média conservadora. Quando a caserna assumiu, espetáculos artísticos também sofreram ataques, com artistas presos e teatros incendiados.

E apesar do que berram as viúvas do verde-oliva, o autoritarismo não trouxe ordem alguma, muito pelo contrário. O caos provocado por ele ecoa ainda hoje. A tortura, que assola as delegacias do país foi institucionalizada naquela época. As empreiteiras, que roeram o sistema político brasileiro, fortaleceram-se sob os quepes dos generais. E nossa economia emperrada deve muito ao “milagre econômico” que se desdobrou numa inflação de mais de 200%.

Os traumas estão todos aí, após três décadas de democracia capenga. Ainda assim, há quem acredite que o importante é impedirmos nossas crianças de tocarem as canelas de artistas nus. 

 
Fonte: The Intercept

O obscurantismo coloca a arte sob ataque

 Manifestantes com cartazes defendendo o MAM, a arte e a liberdade de expressão
 Manifestantes com cartazes defendendo o MAM, a arte e a liberdade de expressão


No começo, eram apenas grupinhos de 10 ou 20 pessoas enroladas em bandeiras do Brasil pedindo "intervenção militar", afirmando que "somos todos Cunha" ou outras aberrações do gênero. Não passavam de manifestantes tresloucados. Deveriam ser relegados a sua real insignificância. Mas não. Jornais publicavam suas fotos e as TVs lhes garantiam generosos espaços. Conquistavam graças aos meios de comunicação uma importância que na verdade não tinham. Não cresceram muito em número, mas sentindo-se reconhecidos, tornaram-se mais ousados. Não importava o tamanho da manifestação, o que interessava era a repercussão na mídia.

Os primeiros arrufos dessa ordem podem ser detectados nas manifestações de 2013, intensificaram-se com as ações de apoio ao golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff e agora seus autores reaparecem travestidos de censores de manifestações artísticas. Redirecionaram o raio de ação, indo da idiossincrasia política para a paranoia comportamental.

Como tornou-se impossível para eles seguir apoiando publicamente um governo marcado pela corrupção e pela rejeição da sociedade, foram buscar sobrevivência atacando exposições de arte e peças teatrais. Sempre com o beneplácito da mídia que dá a seus integrantes ares de importância, chamando-os a opinar como se fossem autoridades capazes de pontificar sobre temas a respeito dos quais destilam apenas preconceito e ódio.

Diante da violência, as reações dos afetados vai do acovardamento ao chamado à razão. Encontra-se, no primeiro caso, a mostra "Queermuseu" interrompida pelo Santander Cultural em Porto Alegre, numa subserviência vergonhosa às hostes fascistas. Atitude que abriu precedente para que o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, se manifestasse contra a sua exibição no Museu de Arte do Rio (MAR), administrado pela prefeitura da cidade. Num arroubo de autoritarismo e ignorância o prefeito-pastor chegou a dizer que a exposição só seria possível se fosse "no fundo do mar".

Lembrei do discurso de um general franquista, diante de Miguel Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca, cidade tomada pelos falangistas, dizendo "O fascismo vai restaurar a saúde da Espanha. Abaixo a inteligência. Viva a morte!". Só de lembrar e olhar em nossa volta, sobrevêm calafrios.

Voltando ao Brasil destes dias, cabe frisar que o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) mostrou mais firmeza, repudiando "as agressões que vem sofrendo por grupos radicais", defendendo a performance La Bête, também assediada pelos fanáticos do obscurantismo, afirmando que "o trabalho apresentado na ocasião não tem conteúdo erótico e trata-se de uma leitura interpretativa da obra Bicho, de Lygia Clark, historicamente reconhecida pelas suas proposições artísticas interativas" e lamentando "as interpretações açodadas e manifestações de ódio e de intimidação à liberdade de expressão que rapidamente se espalharam pelas redes sociais".

Além das palavras, atos. Cerca de 300 pessoas, entre elas artistas, atores e cineastas, abraçaram o museu paulista com cartazes defendendo o MAM, a arte e a liberdade de expressão. Ação que necessita ser constantemente repetida onde e quando a censura mostrar suas garras, impondo limites aos disseminadores da intolerância.

Só assim teremos alguma possibilidade de evitar situações ainda piores daqui para a frente. É preciso relembrar quantas vezes forem necessárias a ascensão do nazismo na Alemanha com suas fogueiras de livros e a destruição de obras de arte modernas consideradas "degeneradas" pelo regime. Artistas como Piet Mondrian, Wassily Kandinsky, Marc Chagall, Lasar Segal, entre outros, foram banidos. Ainda não chegamos a tanto, o que não elimina a possibilidade de que algo semelhante venha a ocorrer por aqui. Quanto à mídia, parece que não aprendeu com o golpe de 64. Depois de apoiá-lo, sentiu durante anos o peso da censura. Agora flerta com os obscurantistas esquecendo que pode vir a ser também uma de suas vítimas. 


*Laurindo Lalo Leal é professor da Escola de Comunicação e Arte (ECA)/USP

Fonte: Rede Brasil Atual (RBA)