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quinta-feira, 27 de junho de 2019

"A imprensa comprava tudo", revela assessora de Sérgio Moro


Christianne Machiavelli foi assessora de imprensa da Lava Jato.
Christianne Machiavelli foi assessora de imprensa da Lava Jato. - Foto: Theo Marques


A assessora de comunicação da Lava Jato, Christianne Machiavelli que trabalhou na Justiça Federal de Curitiba, de onde saíam os despachos de busca, apreensão e prisão assinados pelo juiz Sérgio Moro revelou em entrevista ao The Intercept como eram distribuídas as informações à grande mídia


"Para ela, a responsabilidade da imprensa é tão importante quanto a da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça. Talvez tenha faltado crítica da imprensa. Era tudo divulgado do jeito como era citado pelos órgãos da operação. A imprensa comprava tudo".

A entrevista foi concedida à jornalista Amanda Audi e divulgada em 30 de outubro de 2018. Christiane trabalhou como assessora de imprensa da Justiça Federal por seis anos, até agosto de 2018. Para ela, a imprensa foi responsável pelo sucesso da Lava Jato. 

Leia a seguir a íntegra da publicação do The Intercept:

Christiane Machiavelli costuma chamar cada repórter pelo nome, e não são poucos os que ela conheceu durante os seis anos em que trabalhou encastelada no vigiado e protegido prédio da Justiça Federal de Curitiba, de onde saem os despachos de busca, apreensão e prisão assinados pelo juiz Sérgio Moro.

Chris, como é conhecida, trabalhava sozinha no departamento de comunicação da Lava Jato até agosto, quando pediu demissão para abrir uma assessoria de imprensa voltada a clientes da área jurídica. Ela diz que identificou um filão de mercado no setor, e garante que não é beneficiada por ter trabalhado com Moro. “Ele é amado por uns e odiado por outros. Eu tenho que lidar com o ônus e o bônus disso.”

Eu topo

Ela não tinha ideia do volume de trabalho que teria pela frente quando passou no processo seletivo em 2012. Acostumada com a rotina tranquila de seu trabalho anterior, na comunicação da Igreja Metodista de Curitiba, ela passou a responder a dezenas de jornalistas todos os dias, das primeiras horas da manhã até a madrugada. Teve crises de estresse, começou a tomar remédios controlados, engordou 30 quilos.

O trabalho de Chris era a ponta de uma estratégia costurada acima dela. A imprensa foi responsável pelo sucesso da Lava Jato. E isso não foi por acaso: Moro se inspirou na operação Mãos Limpas – que prendeu centenas de pessoas e mudou o cenário político da Itália – ao definir que, sem a imprensa, a operação morreria nos primeiros meses, como tantas outras antes dela.

“Os responsáveis pela operação Mani Pulite [mãos limpas, em italiano] fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI [um dos partidos investigados, que acabou extinto], que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira”, escreveu Moro em um artigo de 2004, dez anos antes de dar início a operação que o tornou conhecido nacionalmente. Ele fez um copia/cola das estratégias do procurador italiano Antonio Di Pietro.

"Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e em outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva”, continuou o juiz, já dando pistas de como achava que uma operação desse tipo deveria ser tratada.

Desde o início, os órgãos da Lava Jato (Ministério Público Federal, Polícia Federal e Justiça Federal) mantiveram vivo o interesse da imprensa, alimentando os veículos sobre qualquer movimento da operação. O Brasil assistiu extasiado ao desenrolar de cada nova fase como se fosse uma novela. “E hoje, quem será preso? Quem será delatado?”.

Foi para entender os bastidores desse processo que conversei com Christianne Machiavelli, por telefone, no começo de setembro. Ela tinha esvaziado suas gavetas na Justiça Federal poucos dias antes, em 30 de agosto. Levou consigo banais livros, canecas, documentos e outros objetos pessoais. Em especial, três dicionários que ganhou de presente do pai, que carrega consigo em todos os empregos, seus amuletos.

Por quatro anos, ela foi o único preposto entre os jornalistas e Moro – a quem ela chama de SFM, sigla para Sérgio Fernando Moro. Se tornou amiga pessoal de alguns repórteres. Os mais próximos ainda a convidam para os churrascos de confraternização de fim de ano onde todos os setoristas da cobertura se encontram – vários veículos de imprensa mantêm equipes permanentes em Curitiba só para atender à Lava Jato.

O trabalho, diz ela, a fez repensar a forma como as pessoas investigadas pela Lava Jato foram tratadas pela operação e, em especial, pela imprensa. Para ela, houve exageros. “Era tanto escândalo, um atrás do outro, que as pessoas não pensavam direito. As coisas eram simplesmente publicadas”.

Leia a seguir os principais trechos da conversa, editada para ficar mais clara, e alguns parágrafos de contexto.

——

Você atuou no centro nervoso da Lava Jato desde o início, em 2014. Como vê a evolução da operação nestes anos?

A gente não tinha noção do que ia ser. No começo, a operação era contra doleiros que operavam no câmbio negro, e então apareceu o [ex-diretor da Petrobras] Paulo Roberto Costa, por causa de um presente que recebeu. Só fui entender o que era a Lava Jato na 7ª fase, em novembro de 2014, depois da delação do Júlio [Camargo] e do Augusto [Ribeiro, executivos da Toyo Setal]. Nesse momento é que apareceu a grande história: que existia um clube das empreiteiras, com as regras do jogo. Foi a partir daí que a imprensa comprou a Lava Jato.

A Lava Jato manteve o interesse da mídia por anos. Era uma estratégia pensada?

Não acho que houve estratégia, pelo menos por parte da Justiça Federal. Mas a responsabilidade da imprensa é tão importante quanto a da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça. Talvez tenha faltado crítica da imprensa. Era tudo divulgado do jeito como era citado pelos órgãos da operação. A imprensa comprava tudo. Não digo que o trabalho não foi correto, ela se serviu do que tinha de informação. Mas as críticas à operação só vieram de modo contundente nos últimos dois anos. Antes praticamente não existia. Algumas vezes, integrantes da PF e do MPF se sentiam até melindrados porque foram criticados pela imprensa.

Pode citar exemplos?

O Maurício Moscardi Grillo [delegado da Lava Jato em Curitiba] quando deu entrevista para a Veja dizendo que perderam o timing para prender o Lula foi muito criticado, e a polícia ficou melindrada. Mesma coisa quando o Carlos Fernando Santos Lima falou que o MPF lançou “um grande 171″ para conseguir delações. O powerpoint do Deltan Dallagnol sobre o Lula. Eles ficaram muito chateados quando a imprensa não concordou com eles. Todo mundo fica magoado, mas não se dá conta daquilo que fala. Não posso dizer que ele [Sérgio Moro] não ficasse melindrado, mas uma única vez respondemos a um veículo. Foi um caso do Rodrigo Tacla Duran, num domingo de manhã. Ele me chamou para a gente responder à notícia que dizia que Carlos Zucolotto, amigo, padrinho de casamento e ex-sócio da esposa de Moro, fazia negociações paralelas sobre acordos com a força-tarefa da Lava Jato . Nesse caso ele se sentiu ofendido, mais pelo processo do que pessoalmente.

A primeira fase da Lava Jato foi no dia 17 de março. Na época, ainda não havia nada sobre Lula, Aécio, Renan, Jucá, Odebrecht, Camargo Corrêa ou qualquer outro político e empresa que seriam notícia nos anos seguintes.

A imprensa noticiou, sem destaque, que a Polícia Federal havia deflagrado uma operação contra lavagem de dinheiro, cujo montante chegava a R$ 10 bilhões. O doleiro paranaense Alberto Youssef foi preso.

Youssef foi um dos principais doleiros do Banestado, considerado o maior caso de corrupção na década de 90, e o primeiro a fechar uma delação premiada no país. O escândalo reuniu os principais nomes da Lava Jato: Sérgio Moro e o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima.

Os casos citados podem ter incomodado a cúpula dos agentes da Lava Jato, mas tiveram pouca repercussão na imprensa em geral. O papel de crítica ficou restrito a blogs e veículos mais identificados à esquerda – muitas vezes distorcendo fatos e apelando para fake news.

Para você, por que a imprensa ‘comprou’ a Lava Jato sem questionar?

Era tanto escândalo, um atrás do outro, que as pessoas não pensavam direito, as coisas eram simplesmente publicadas. O caso da cunhada do [ex-tesoureiro do PT, João] Vaccari foi bem significativo. Os jornalistas foram na onda do MPF e da PF. Todo mundo divulgou a prisão, mas ela foi confundida com outra pessoa. Foi um erro da polícia. Quando perceberam o erro, Inês já era morta. O estrago já tinha sido feito. Acho que a gente vem de uma fase que remonta à ditadura, em que a imprensa foi violentamente cerceada. Na Lava Jato a imprensa tinha muita informação nas mãos, dos processos, e entendeu que era o momento de se impor.

Qual a responsabilidade da imprensa?

Vou dar um exemplo. O áudio do Lula e da Dilma é delicado, polêmico, mas e o editor do jornal, telejornal, também não teve responsabilidade quando divulgou? Saíram áudios que não tinham nada a ver com o processo, conversas de casal, entre pais e filhos, e que estavam na interceptação. A gente erra a mão em nome de um suposto bem maior.

Cada dia de operação da Lava Jato seguia os mesmos rituais.

O celular dos jornalistas começava a apitar antes das 7h da manhã com um texto da PF. Por volta das 10h, os policiais faziam uma coletiva de imprensa junto com membros do MPF. Em seguida, o MPF divulgava o seu release, já com os dados da denúncia. Por fim, a Justiça Federal informava o número da ação judicial, junto com a chave para o acesso.

Com essa ferramenta, os jornalistas tinham acesso a tudo relacionado à operação: das investigações iniciais até os pedidos de prisão. Nos próximos dias, podiam acompanhar o andamento em tempo real.

Quem estava acostumado a cobrir operações deste tipo, como eu, sentiu que havia algo de diferente na Lava Jato.

Geralmente, operações de combate à corrupção — principalmente as que envolvem poderosos — costumam ser difíceis de acompanhar. É preciso ter boas fontes, gastar sola de sapato e batalhar para conseguir qualquer informação.

Na Lava Jato, tudo ficou muito fácil. Havia uma profusão de documentos disponíveis. Os agentes responsáveis eram acessíveis. Todo dia havia algo novo.

Em um país marcado pela falta de transparência, os gestos eram tidos como exemplares – e não estou dizendo que não sejam.

Mas o fato é que as facilidades fizeram com que a imprensa “comprasse” a Lava Jato quase que imediatamente. Denúncias do Ministério Público eram publicadas em reportagens quase na íntegra, assim como os inquéritos da PF e as decisões de Moro.

Foram poucos os jornalistas que se valeram daquele mundaréu de elementos para fazer o papel que cabe à imprensa: o de usar os dados para construir investigações mais aprofundadas.

A divulgação dos áudios de Lula e Dilma gerou uma onda de insatisfação que levou milhares às ruas. O processo de impeachment da presidente se intensificou no Congresso. A ação de Moro foi questionada: ele não tinha competência e nem poderia ter acesso aos grampos. Foto: Diego Padgurschi/Folhapress

Eu acho que bandido bom é o bandido que pode ser recuperado, apesar de tudo. A lei deve ser aplicada sempre. A questão aí é o peso da mão, da caneta, da maneira que o réu é tratado, o preso é tratado.

Você já disse que a Lava Jato mudou a visão sobre o direito. Antes era legalista, que olha apenas o cumprimento da lei. Agora é garantista, em que a lei deve ser cumprida preservando direitos. Por quê?

Como jornalista, minha base era na cobertura policial. Os repórteres que acompanham a polícia querem a imagem do preso, a história dele. Quanto mais sensacionalista, mais cliques, mais as pessoas vão ler. Mas, depois da Lava Jato, eu entendi o quanto a privacidade e intimidade do criminoso são necessárias. Lembro quando o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral apareceu com algemas nos pés e nas mãos e a imprensa abusou da imagem. Eu passei a olhar pro réu de uma maneira mais humanitária. Também acho que a lei de execução penal tem que ser aplicada, deve ser a base para garantir o direito dele de ser humano. Eu acho que bandido bom é o bandido que pode ser recuperado, apesar de tudo. A lei deve ser aplicada sempre. A questão aí é o peso da mão, da caneta, da maneira que o réu é tratado, o preso é tratado.

Isso envolve o hábito de levar os presos da operação para Curitiba e o circo midiático que se forma em torno disso?

Durante o período ostensivo das fases da Lava Jato, todos ficaram presos em Curitiba, com raras exceções, como Sérgio Cabral. Se criou essa cultura de trazer todos os presos pra cá, porque o juiz entende que o caso se desenrolou em Curitiba. Mas, no momento de uma execução penal, é a lei que vale, e ela diz que o preso tem direito a cumprir pena perto de seu domicílio, para a família poder visitá-lo. O José Dirceu, por exemplo, por um bom tempo não recebeu visita da família. Ele estava com os bens bloqueados e família não tinha condições. Os empreiteiros, por outro lado, as famílias vinham sempre.

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) é conduzido ao IML de Curitiba (PR) antes de ser transferido a prisão. Foto: Giuliano Gomes/PR Press/Folhapress

Em geral, os presos ficam detidos no local onde moram. A Lava Jato é um dos poucos casos em que o juiz demanda que eles sejam deslocados para o local de onde saem as decisões. Estar em Curitiba facilita a negociação de delação premiada e a ida a audiências presenciais. Mas, ainda assim, não seria necessário manter o preso na cidade o tempo todo.

Essa exigência de Moro criou uma espécie de “rota das imagens”. Os cinegrafistas e fotógrafos começam a registrar a prisão na cidade de origem, mostram o embarque no avião, a chegada em Curitiba, o exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal e, finalmente, as visitas dos parentes.

Essa marcação faz com que qualquer pessoa saiba, por exemplo, que Eduardo Cunha jantou arroz, feijão e frango em sua primeira noite na prisão. Em que situação isso seria relevante?

Você questionava Moro sobre decisões controversas, como a de levar os presos para Curitiba?

O trabalho da assessoria não era de questioná-lo sobre suas decisões, mas dar publicidade aos seus atos.

Você acha que a Lava Jato influenciou as eleições deste ano? Por exemplo, o Moro ter levantado o sigilo da delação do Palocci na semana passada.

Só posso dizer que essa eleição é a mais atípica que vivi desde que tirei meu título. Quanto a colaboração do Palocci, entendo que quase a totalidade do termo divulgado já era de conhecimento público. Ele apenas deu nome aos bois, fato que também já teria sido mencionado pelo Paulo Roberto Costa e, se não me engano, por Youssef também. Portanto, não sei se influenciou. O que influenciou no resultado dessas eleições foram as notícias falsas, o ódio, o medo.

Além do Palocci, Moro adiou depoimento do Lula por causa do período eleitoral e o MPF pediu mais uma condenação a ele, dias antes da eleição. Acha que tem algo a ver?

Sim. Pelo que me lembre, o adiamento do depoimento do Lula ocorreu há alguns meses e o magistrado justificou em despacho. Sobre o pedido do MPF, não vejo relação também, pois estava no prazo das alegações finais. Destaco que o prazo para as alegações finais foi determinado há pouco tempo, pois ficou parado por meses a fio devido a quantidade de perícias peticionadas pela defesa de Lula e o MPF ao juízo. Caso nada disso tivesse acontecido, o processo já poderia ter sido sentenciado e, inclusive, com autos conclusos para um possível julgamento de apelação no 2° grau. Ou seja, a juntada das alegações finais por parte do MPF é apenas coincidência decorrente de uma tramitação processual lenta.

Mesmo estando dentro dos prazos, é inegável que esses fatos podem favorecer ou prejudicar candidatos. Não seria possível esperar passar o pleito para fazê-los? Isso não pode colocar em risco a legitimidade da Lava jato?

A celeridade processual é uma premissa do Judiciário e inclusive exigência do CNJ. Não é possível que o Judiciário pare em detrimento de um processo eleitoral. A celeridade processual é em prol do réu e não do magistrado. Pense: se o MPF tivesse se manifestado em favor do réu, então a celeridade processual seria boa? Mas como a manifestação é condenatória, a celeridade é ruim? Não há dois pesos e duas medidas. Há prazo que precisa ser cumprido.

O juiz e os procuradores sempre dizem que agem de modo isento. Mas é difícil negar que a Lava Jato foi, no mínimo, associada a um forte antipetismo.

Dias antes das eleições, Moro levantou o sigilo sobre a delação do ex-ministro de Lula, Antonio Palocci, e o MPF pediu a condenação do petista no processo sobre o terreno onde seria construído o Instituto Lula. Na semana desses acontecimentos, o presidenciável Jair Bolsonaro cresceu nas pesquisas de opinião frente ao candidato do PT, Fernando Haddad. Bolsonaro passou de 28% de intenções de voto em 28 de setembro para 39% em 4 de outubro, de acordo com o Datafolha.

O mesmo Moro havia decidido, semanas antes, adiar um depoimento de Lula alegando que poderia influenciar o período eleitoral.

Há até pouco tempo, Moro era avesso à imprensa. Aos poucos, foi se soltando. Em entrevista ao Roda Viva em março, ele até defendeu o auxílio-moradia – que recebe, mesmo tendo apartamento de meio milhão de reais em Curitiba. O juiz tampouco se sente constrangido ao aparecer em fotos ao lado de Aécio Neves e João Doria, ambos do PSDB.

Moro tampouco negou que Alvaro Dias, que concorreu pela presidência pelo Podemos, usasse o seu nome durante a campanha. Paranaense e ex-tucano, Dias usou quase todo o tempo que teve em debates para enaltecer a Lava Jato. Ainda assim, foi massacrado nas urnas.

Até o “japonês da Federal”, Newton Ishii, que ficou famoso por escoltar os presos da operação, se filiou ao Patriota, um partido abertamente antipetista, quando se aposentou da PF. Ele é o presidente da legenda no Paraná, que em nível nacional lançou Cabo Daciolo à presidência.)

Qual o seu maior acerto e o maior erro nesse período?

Meu maior acerto foi sistematizar e compilar todas as informações da Lava Jato em uma planilha, que servia para a imprensa acompanhar. E cumprir os deadlines dos jornalistas. Para mim foi sofrido. Eu engordei 30 quilos. Tomava remédio controlado para depressão e ansiedade. Cheguei a picotar um chip de celular porque as pessoas me ligavam até meia noite todos os dias. Eu trabalhava fim de semana, feriado… Agora chego em casa e vou fazer comida, ver série.

E agora, o que vai fazer?

Vou abrir uma empresa de gestão de crise, estou vendo nome, contador. Lidar com crise foi algo que aprendi na prática.


Com informações The Intercept e Portal Vermelho

O jogo e o juiz do jogo contra o arbítrio

 

Crepúsculo de jogo? A regra do jogo é aquilo que o árbitro diz que é?

Por Lenio Luiz Streck - Conjur


Hoje escreverei sobre a relação Direito e futebol. Com metáforas. Gosto do tema. Fui jogador e tenho curso de comentarista de futebol. Todavia, já não jogo, a não ser de quando em vez (ver aqui) e, no tocante a fazer comentários, faço-o, hebdomadariamente, em coluna esportiva chamada Jus Azul no site www.espacovital.com.br.

Sempre me intrigou o modo como a justiça desportiva trata do Direito. Mas também sempre me intrigou o modo como o Direito é tratado pela justiça não desportiva. Falemos de dois “sistemas”: JD e JND.

Parece que há um imaginário consequencialista nos dois “sistemas”. Um consequencialismo sempre ad hoc. Por vezes, os protagonistas são literalistas, quase exegetas do século XIX. Por vezes, são bem voluntaristas. Ou realistas-retrô. Dessa (con)fusão, exsurgem dois aforismos praticados Brasil a fora: “os fins justificam os meios” e “às favas com a imparcialidade”. Bom, neste caso, a diferença entre os dois “sistemas” é mínima.

Para entender melhor o Direito, nada melhor que o futebol e o modo como a justiça desportiva vê o Direito. O caso exemplar é o jogo entre Palmeiras e Botafogo, pelo Campeonato Brasileiro de 2019.

Naquela partida, o time paulista fora beneficiado com um pênalti assinalado com a ajuda do VAR. Até aí, normal. O VAR também erra (ou melhor, os analistas do VAR — já existem especialistas em VAR, mais ou menos como especialistas em delação premiada, especialistas em definir imparcialidade, assim como logo haverá especialistas em fazer plea bargain — como diria alguém empolgado, viva os especialistas!). Aliás, o Brasil está desmoralizando o VAR. O clássico “veja com seus próprios olhos...” aqui não funciona.

Eis o jogo. O problema é que a partida já havia sido reiniciada, e, conforme a FIFA, o auxílio do arbitro de vídeo só é válido antes do reinício da disputa. E, no caso da partida entre paulistas e cariocas, a bola já estava em jogo no momento da marcação do pênalti.

E disso, o que se extrai?

1. Há uma regra, e essa regra é válida para todos (ou pelo menos deveria ser).

2. “A regra é clara” — como no jargão arnaldino —, mas, nesse caso, ela não foi tão clara assim. Por algum motivo, a equipe de arbitragem optou por uma “nova regra”, uma “regra só dela”, uma regra que diz que — como uma novilíngua orwelliana —, se o jogo fora recomeçado “só um pouquinho”, então é possível consultar o árbitro de vídeo. Pronto. Agora temos a linguagem pública, que permite jogar o jogo, e a linguagem da equipe de arbitragem daquela partida. Equipe de arbitragem Humpty Dumpty: dá à regra o sentido que quer.

3. Qualquer coincidência entre futebol e Direito é apenas semelhança.

Para além dos nossos tribunais, com isso, o que temos é a segurança jurídica ameaçada, também, nos jogos de futebol, com ativismos de toda sorte. Transformam o futebol em política ou torcida (aqui isso pode ser lido como “juízos morais”).

A esperança, nesse caso, ou seja, no caso da partida, ficou por conta do julgamento da questão, após pedido do Botafogo, que “recorreu” ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva. O julgamento foi terça-feira, dia 18 de junho. Erro de procedimento corrigido? Linguagem pública restabelecida? Nada. Zero.

Por 9 votos a zero, o Pleno do STJD manteve o resultado da partida. Não surpreendeu. Infelizmente. Muitos são os resultados em que tribunais desportivos ou mantiveram decisões equivocadas, ou as impuseram. Nada diferente do que ocorre na justiça não desportiva. Ativismo e discricionarismo à la carte. E, não é à toa, as repercussões são semelhantes. Vejamos:

Assim como as decisões do mundo jurídico são objeto de uma série de opiniões (e isso está cada vez mais costumeiro com a atuação das mídias sobre o Judiciário), não apenas as mesas-redondas dos programas esportivos, mas todo o universo de torcedores (futebolísticos e jurídicos), emitem opiniões o tempo todo. Nunca soou também a palavra “emotivismo” (no sentido filosófico).

Se, na vida, não raro o comentário sobre determinada decisão mira um fim — e aqui, por todas, cito algumas envolvendo a "lava jato" e o caso The Intercept Brasil, em que “os fins justificam os meios”, já que “tudo vale para combater o crime” (como se fosse função do judiciário combater o crime) —, no futebol, com o VAR, não tem sido diferente. No caso dos diálogos revelados pela Folha e o Intercept, vamos chamar o VAR? Mas não está claro?

Mas, voltemos ao caso de Palmeiras e Botafogo. Dizem: “o juiz fez bem em marcar o pênalti, mesmo com a partida já reiniciada. Afinal, foi pênalti” (na comparação com a "lava jato", diz-se: afinal, houve a condenação de corruptos). Ou ainda: “O jogo fora reiniciado antes, sim, mas a bola nem havia saído da área” (na comparação com a "lava jato", diz-se: afinal, é normal que juízes e procuradores façam o jogo desse modo). O pior argumento foi: “O juiz errou, mas fez justiça” (na comparação com "lava jato"-Intercept, diz-se: o juiz pode até ter feito o que consta nesses diálogos, mas fez justiça contra a corrupção). Ou seja: em qualquer dos dois “sistemas”, justifica-se atos ilícitos-irregularidades com um consequencialismo seletivo (ad hoc).

O ponto é que, tanto na justiça “comum” como na desportiva, há procedimentos e regras que devem ser seguidas. Nem o ativismo judicial e nem o ativismo jusludopédico são justificáveis.

No esporte ou na forma de vida que escolhemos para viver socialmente organizados, é preciso, sempre, limitar o poder. De juízes e de árbitros. Nos tribunais não desportivos e desportivos. Para usar um jargão, ninguém está acima da lei: nem o juiz, nem o árbitro, nem o bandeirinha e nem quem corrige os seus atos.

Poderia ainda falar das discrepâncias entre julgados (nas justiças dos dois “sistemas”), da falta de uma criteriologia, da falta de definição de conceitos jurídicos como dolo, culpa, coerência, integridade, imparcialidade, presunção de inocência, desproporcionalidade de punições (escrevi há muito tempo sobre o caso em que o pobre Paysandu sofreu um “pênalti epistêmico” por parte do STJD, além do caso da Portuguesa, goleada com gols off side por parte da justiça desportiva). Também vale a pena discutir a relação da justiça desportiva com o estatuto do torcedor (escrevi sobre isso aqui). Mas também escrevi tantas outras coisas... sobre dribles hermenêuticos... no Direito não desportivo, que já perdi a conta!

De todo modo, acho que a justiça desportiva aprendeu tudo com a justiça não desportiva.

O caso do Botafogo é exemplar. O caso da revelação dos diálogos da "lava jato", também. Vai para os anais da história! Algo como a hermenêutica feita no caso da presunção da inocência. Ou da dúvida do Supremo Tribunal acerca da veracidade dos diálogos que atestam a falta de imparcialidade do juiz, já que resolveu não conceder a ordem de habeas corpus sugerida — e votada — por dois ministros (Gilmar Mendes e Lewandowski). No caso do árbitro do jogo do Botafogo, não sei se foi erro de direito ou de fato. No caso do voto de desempate para negar o habeas corpus, pode ter havido erro de direito. Parece que Celso de Mello fez o sinal do quadrado no ar e decidiu consultar o VAR. Era caso de VAR? A penalidade não foi clara?

Quer dizer, em jargão futebolístico, para o decano do STF, o lance era “de interpretação”. E por isso, em vez de assinalar o pênalti que seus dois colegas marcaram, chamou o VAR. Ocorre que o VAR... deixa pra lá (é que as vezes a interpretação do VAR é problemática, basta ver o caso do jogo sob comento — na verdade, os dois jogos aqui comentados).

Enfim, tudo está escrito, mas não está. Está claro, mas não está. Assim como a relação entre árbitros e bandeirinhas, se entendem a minha não ironia. Ou a minha ironia.

Todavia, sempre é tempo de a justiça desportiva encontrar o Direito. Se bem que o Direito — leia-se a dogmática jurídica praticada por aí no campo jurídico (se quiserem, pode ser o conceito de Bourdieu) — já não tem muitas condições de (se) encontrar com algum outro campo ou sistema.

As águas sobem. Já de há muito chove na serra. Os da planície é que não se deram conta. Sai jogo com chuva? Como está a drenagem do “sistema”? In dubio, sai o jogo? Ou será transferido, sem data marcada? E a torcida brasileira? Como fica? E as regras do jogo? São as regras do árbitro?

Como narrava Fiori Giuliotti, crepúsculo de jogo, torcida brasileira. Fecham-se as cortinas...

Outro comentarista dizia: a regra é clara, mas... depende do árbitro.

E está lá um corpo estendido no chão, narrava Januário de Oliveira.

E Mário Vianna (com dois enes) grita: gol ilegal, porque o árbitro soprou no ouvido do centroavante em qual o canto deveria chutar o pênalti. E Galvão discorda: ora, é normal esse lance entre juiz e centroavante.

Vamos recorrer ao STJD? Cadê o VAR?

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Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Banco Central admite: a economia parou, e o PIB do Brasil só 0,8%

Sob as incertezas do governo Bolsonaro e o receituário libera do ministro Paulo Guedes, a economia brasileira parou. O diagnóstico não é (apenas) da oposição – mas, sim, do Banco Central (BC), que divulgou nesta quinta-feira (27) o Relatório de Inflação de junho. Segundo o órgão, a projeção de crescimento do PIB para 2019 despencou de 2% para 0,8%. E o índice pode ser ainda menor, haja vista a falta de “sinais nítidos de recuperação” no segundo trimestre.

Assim se explica o BC: “A revisão está associada à redução do carregamento estatístico para o restante do ano, refletindo o desempenho da economia no primeiro trimestre de 2019 em magnitude inferior ao esperado; à moderação no ritmo de atividade, apontada por indicadores de maior frequência divulgados até a data de corte deste relatório; e ao recuo dos indicadores de confiança de empresas e consumidores com impactos sobre as perspectivas de consumo e investimento”. 

Para fazer suas projeções, o Banco Central considerou dados de atividade divulgados até 14 de junho. No âmbito da oferta, a previsão para o crescimento da agropecuária (1,1%) permaneceu praticamente estável desde o Relatório de Inflação anterior (1%), contrastando com reduções nas previsões de crescimento para os demais setores.

A projeção para o desempenho da indústria foi revista de 1,8% para 0,2% de avanço, “refletindo recuos nas expectativas de crescimento para todos os segmentos do setor, exceto produção e distribuição de eletricidade, gás e água”. Um exemplo emblemático da crise está na indústria de transformação – a estimativa da variação do PIB do setor baixou de 1,8% para -0,3%. O motivo: o desempenho abaixo do esperado no primeiro trimestre de 2019 e a evolução de indicadores referentes à atividade fabril no início do segundo trimestre. 

Para a indústria extrativa, mais queda: o percentual caiu mais da metade (de 3,2% a 1,5%), devido “às incertezas sobre os impactos do rompimento da barragem de mineração em Brumadinho”. Já o prognóstico para a construção civil saiu de crescimento de 0,6% para recuo de 1%, decorrente, “sobretudo, de resultado no primeiro trimestre expressivamente abaixo das expectativas e de ausência de evidências que sugiram recuperação efetiva do setor ao longo do ano”.

Para o setor de serviços, a estimativa foi reduzida de 2% para 1% entre um relatório e outro, com reduções nas estimativas para o desempenho da maioria das atividades. As projeções do BC para o crescimento anual do comércio e de transporte, armazenagem e correio, setores correlacionados com a atividade industrial, foram revistas de 2,3% para 0,9% e de 2,4% para 0,5%, nessa ordem.

“A trajetória aquém da esperada no primeiro trimestre do ano motivou também as revisões nas expansões previstas para os segmentos de serviços de intermediação financeira e serviços correlacionados (de 2,0% para 0,6%), atividades imobiliárias e aluguel (de 2,9% para 1,6%), administração, saúde e educação públicas (de 1,0% para 0,4%), e outros serviços (de 2,0% para 1,3%)”, detalha o BC.

Do ponto de vista da demanda, a estimativa para o crescimento do consumo das famílias foi revista de 2,2%, na projeção de março, para 1,4%, “compatível com a expectativa de recuperação mais gradual da massa salarial”. A projeção para o crescimento da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) recuou de 4,3% para 2,9%, influenciada pelo resultado negativo do primeiro trimestre e pela piora dos indicadores de confiança de empresários.

Já o consumo do governo deverá crescer 0,3%, ante projeção de aumento de 0,6% em março, segundo o BC, “consistente com expectativa de piora na arrecadação tributária em cenário de crescimento econômico menor do que o previsto no Relatório de Inflação anterior”. Para exportações e importações de bens e serviços, as estimativas de crescimento em 2019 ficaram em 1,5% e 3,8%, respectivamente, ante 3,9% e 5,6% divulgadas em março.

“O recuo na projeção para as exportações reflete reduções adicionais em prognósticos para o crescimento mundial, incertezas sobre a exportação de minério de ferro e aprofundamento da crise na Argentina, importante destino de bens industrializados. A diminuição na estimativa para as importações decorre de redução nas projeções de crescimento da indústria de transformação e da FBCF, com consequente decréscimo nas aquisições de insumos e de máquinas e equipamentos, bem como da redução na projeção para o consumo das famílias”, explica o BC.

Da Redação, com informações do Valor Econômico

Bolsonaro alcança pior índice de rejeição e maioria não confia nele

Bolsonaro chega em Osaka, no Japão, onde participa da reunião do G-20

Bolsonaro chega em Osaka, no Japão, onde participa da reunião do G-20 Bolsonaro chega em Osaka, no Japão, onde participa da reunião do G-20

Segundo pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria, CNI/Ibope, o índice de brasileiros que considerava o governo Bolsonaro ruim/péssimo subiu cinco pontos em relação ao último levantamento. O registro passou de 27% para 32% na sondagem divulgada nesta quinta-feira (27). É o pior índice desde o início do conturbado governo, envolvido em constantes crises.

Sobre o índice de confiança, 51% dos brasileiros ouvidos não confiam no governo enquanto 46% dizem que confiam. Não sabe/não respondeu: 3%.

Divulgada nesta quinta-feira (27), a pesquisa foi realizada entre os dias 20 e 26 de junho, quando foram ouvidas 2.000 pessoas em 126 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. 

Os números registrados nas pesquisas revelam aumento na rejeição ao governo. No sentido contrário, a sondagem revela que entre os brasileiros que consideram o governo ótimo/bom caiu três pontos percentuais: de 35% para 32%. 

Da Redação do Portal Vermelho