Demonstrando abissal ignorância sobre o que é, ou não, estratégico, ou
então desprezo pela segurança nacional, os falsos desenvolvimentistas, desde JK
(1956-1960), consideraram que bastava ter sob comando nacional as
telecomunicações, a energia, notadamente o petróleo, e a área nuclear.
Por Adriano Benayon *
2. Se olhassem com seriedade para a História,
teriam percebido que nenhum país foi capaz de se defender, tendo entregado sua
economia e suas finanças a controle estrangeiro. Isso se tornou cada vez mais
nítido, à medida que a capacidade bélica foi ficando mais dependente da
indústria e da tecnologia.
3. Mas, mesmo antes do século XVIII, quando a sorte
nas armas se vinculou à mecânica pesada e às indústrias básicas – que lhe
fornecem insumos -, as guerras, sempre foram movidas a dinheiro, tal como a
política.
4. Revela-se, pois, enorme e múltipla a leviandade
dos dirigentes do País, uma vez que o “modelo econômico brasileiro”, de JK aos
governos militares, se caracterizou, não só pela dependência tecnológica, mas
também pela dependência financeira.
5. Depois, isso continuou a agravar-se, culminando
com as manipulações eleitorais que levaram às presidências de Collor e FHC, nas
quais, além de tudo, as Forças Armadas foram deliberadamente debilitadas.
6. E por que isso foi possível? Porque quem
monopoliza o dinheiro grosso e comanda a mídia submissa, determina as
políticas. Claro que essas não foram as de interesse do País.
7. Acaso? Não, mas, sim, algo que se desenhou com o
golpe de agosto de 1954, quando as decisões econômicas foram entregues a “técnicos”
do agrado dos centros financeiros angloamericanos.
8. Desde o final dos anos 50, o domínio dos carteis
multinacionais sobre a economia resultou em enormes déficits de transações
correntes: esses carteis transferiram ao exterior – principalmente como
despesas – lucros de fato, decorrentes dos preços elevadíssimos, no mercado
interno, dos bens aqui produzidos e dos importados, e preços baixos na
exportação.
9. Daí derivou absurda dívida externa, inflada
também com os juros e demais despesas decorrentes do financiamento externo de
investimentos públicos e privados efetuados no País.
10. Afora os colossais pagamentos do serviço da
dívida externa, ao exterior, ainda maiores nos anos seguintes à Constituição de
1988, parte dessa dívida foi transformada em interna, a qual passou a crescer
exponencialmente, em função de juros e correção monetária absurdos – mais um
sinal de que o País não tem autonomia política.
11. Montou-se, assim, a engrenagem viciosa, através
da qual a dependência política alimenta o crescimento da dependência econômica,
a qual acentua a submissão política, e assim por diante.
12. O conceito adotado por pró-imperiais assumidos
e inconscientes, era que se deveria abrir às grandes transnacionais, com
matrizes no exterior, as indústrias de transformação – consideradas
não-estratégicas – como a de bens de consumo durável, inclusive veículos
automotores, o ridículo carro-chefe da arrancada para o falso desenvolvimento.
13. Tão grande foi a irresponsabilidade para com o
País e seu futuro, que – através das Instruções da SUMOC, a partir de janeiro
de 1955 – propiciaram subsídios desmedidos para que os carteis industriais
estrangeiros se assenhoreassem facilmente do mercado brasileiro, que nunca lhes
esteve fechado.
14. Ademais, permaneceram abertas as brechas que
permitiram crescente penetração do capital estrangeiro no sistema financeiro do
País.
15. Sessenta anos depois, passados numerosos
governos aparentemente diferentes, deu-se a desnacionalização praticamente
completa, a causa da desindustrialização.
16. O balanço é o pior possível: a) a dívida
interna, que continua crescendo exponencialmente, por efeito da capitalização
de absurdos juros, já atingiu mais de R$ 3,8 trilhões; b) boa parte dos títulos
pertence a residentes no exterior; c) o passivo externo financeiro bruto – onde
avultam os investimentos estrangeiros diretos (IEDs) – supera US$ 1 trilhão.
17. Os IEDs acumularam-se principalmente com
recursos estatais, subsídios governamentais e reinvestimento de lucros, o que
denuncia a natureza autorretroalimentada do processo de desnacionalização.
18. Finaliza-se o processo, com o enfraquecimento e
maior infiltração da própria Petrobrás por interesses forâneos, além de
preparar-se luz verde a petroleiras transnacionais para apoderar-se das
reservas descobertas pela estatal. Além disso, deterioraram-se e
desnacionalizaram-se infra-estruturas essenciais, como as de energia,
transportes e comunicações.
19. Não bastasse isso tudo, a engenharia, último
ramo sobrevivente com tecnologia competitiva, está sob fogo interno, teleguiado
do exterior, para que os mercados que conquistou no Brasil, e fora dele, também
caiam sob controle de empresas estrangeiras.
20. O Brasil está inerme, com seus recursos
terrestres, águas e subsolo, dotado de minerais preciosos e estratégicos, tudo
aberto ao saqueio das corporações estrangeiras. Grande parte do território
amazônico foi subtraído à jurisdição efetiva do País, sob o pretexto de
demarcar terras supostamente indígenas.
21. Que aconteceria se mudasse de política? A
violência das intervenções imperiais na Líbia, Iraque e Síria, entre outras,
deveria alertar para reverter as políticas levianas aqui praticadas, há mais de
60 anos.
22. Mauro Santayana afirma que o Brasil talvez seja
o país mais indefeso do mundo, e o pouco que ainda tem de empresas nacionais na
indústria bélica está sendo adquirido por grupos estrangeiros, ou controlado
por estes mediante associações, principalmente as firmas que desenvolveram
tecnologia militar, nos últimos anos.
23. A vulnerabilidade decorre também do baixo
conteúdo local das peças do equipamento de defesa, mesmo no caso de blindados
ligeiros. Que dizer das carências em tecnologia eletrônica, até mesmo chips
desenhados e fabricados no País?
24. Esse é o resultado da entrega, favorecida pelos
governos, do controle do grosso da economia a empresas e grupos financeiros
transnacionais. Era questão de tempo a entrega também dos setores ditos
estratégicos.
25. Em vez de “lideranças” civis e militares
cuidarem disso, ignoraram que o desenvolvimento econômico verdadeiro só se faz
com capital nacional e tecnologia nacionais.
26. Além disso, tiveram a visão ofuscada pela
crença que lhes foi inculcada, de que o inimigo estratégico seria o comunismo,
termo em que foi abusivamente englobado tudo que desagradasse o império e seus
adeptos locais.
27. Nas lideranças e cidadãos, em geral, foram
incutidas divergências ideológicas que se tornaram fossos intransponíveis,
geradores de exclusões, perseguições e conflitos envenenados.
28. Assim, além da economia dominada, o que,
mormente após a pseudo-democratização de 1988, levou os interesses
antinacionais a controlarem o sistema e as decisões políticas, acelerando a
desindustrialização e primarização da economia, a falência estratégica foi
acentuada por outra: a falta de coesão nacional.
29. Para esta deficiência estratégica contribuiu a
abertura ao arrasamento da cultura e dos valores éticos, através da
permissividade das “autoridades” para com os meios de comunicação mundiais e
locais, acompanhada da deformação dos fatos políticos e econômicos em todo o
mundo.
30. Se é que o poder emana do povo, que poder
emanaria de um povo submetido a processos de psicologia aplicada e a outras
intervenções destinadas a apassivá-lo?
31. Machiavello ensinou que “o poder emana do ouro
e das armas.” Nesta vertente, como o Brasil precisa ter poder para viver com
dignidade, e até para sobreviver, impõe-se entender que:
a) o desenvolvimento econômico e social é
indispensável para a defesa e segurança; b) ele depende de autonomia, tanto nas
decisões governamentais como na das empresas.
* Adriano Benayon é doutor em economia pela
Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
Fonte: Vi o Mundo
Por Adriano Benayon *