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terça-feira, 2 de abril de 2019

Economia - A reforma da previdência vai aprofundar a crise


Movimentos sociais lutam contra aprovação da Reforma da Previdência

Ao contrário do que propagam os defensores da reforma, não haverá recuperação da economia ao se endurecerem as regras de acesso à seguridade social. E sim redução da capacidade de consumo das famílias e dos investimentos.

Por Ana Luíza Matos de Oliveira, Bárbara Vallejos Vazquez e Euzébio de Sousa


Desapareceu no Brasil a discussão sobre geração de emprego. Mesmo registrando 12,5 milhões de desocupados e 27,3 milhões de subutilizados (desocupados, subocupados por insuficiência de horas e na força de trabalho potencial) – um quarto da força de trabalho brasileira – o único problema do Brasil parece ser a previdência. Após a retração de 6,9% do PIB em 2015 e 2016 e um crescimento econômico muito baixo, de 1% em 2017 e 1,1% em 2018, com expectativas de crescimento para 2019 revisadas para baixo 6 vezes consecutivas[1], o país está longe da recuperação do nível do PIB per capita de 2014 (Gráfico 1). Assim, para as famílias de trabalhadores, a crise continua.


A reforma da previdência seria o remédio para tudo isso, dizem os analistas. Como o foi, diga-se de passagem, em outros momentos, a reforma trabalhista, que geraria segundo seus defensores, 5 milhões de empregos; como o foi a PEC do Teto de Gastos… Onde estão os frutos prometidos das reformas anteriores? Como fora percebido na época da tramitação da Reforma Trabalhista, se propaga um tipo de liberalismo seletivo, que acredita que a redução dos salários e dos direitos elementares dos trabalhadores irá retirar o Brasil da crise. Mas o que se verifica é o contrário: a crise se aprofunda com a redução da capacidade de consumo das famílias e redução dos investimentos públicos e privados.

Qual relação tem a reforma da previdência com o crescimento econômico, afinal? Há uma crença, que não se ampara em dados estatísticos, de que se o país tem as contas públicas “em ordem”, haverá estímulo aos investimentos e à geração de empregos. Ora, os empresários investem se percebem que há demanda para seus produtos e serviços, não o fazem baseado na percepção de que as contas do governo estão “em ordem”.

E se invertêssemos a causalidade: qual impacto a geração de empregos teria nos resultados da previdência? Quanto a este ponto, o Gráfico 2 mostra que em todo o período de 2009 a 2015 o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) urbano foi superavitário[2].

De 2009 a 2015, o aumento do emprego formal (+23,4 milhões[3]) e da base contributiva da previdência garantiu a sustentabilidade do sistema. Até a crise que se inicia em 2015, com a mesma estrutura previdenciária, tínhamos um RGPS urbano superavitário.


O quadro do mercado de trabalho hoje é muito diferente. A Reforma Trabalhista, em vigor desde nov/2017 incentivou a substituição de empregos “padrão” por contratos “atípicos”. Esta mudança na lei reforçou a tendência à precarização assistida desde o início da crise econômica. Por exemplo, o gráfico 3 mostra como as ocupações sem carteira assinada tem puxado a geração de postos de trabalho desde 2016.


O gráfico 4 mostra que o trabalho doméstico, ocupação precária majoritariamente feminina, sofre redução de 17,8% de trabalhadores com carteira de trabalho assinada e aumento de 10% dos trabalhadores sem carteira do início de 2016 ao início de 2019.


No mesmo período ocorre ampliação dos trabalhadores por conta-própria com e sem CNPJ (gráfico 5).

Assim, o número de contribuintes para a previdência reduziu-se em 2% entre 2016 e 2018, frente ao aumento de 8% dos trabalhadores que não contribuem (tabela 1).

Os dados mostram que a situação no mercado de trabalho é grave e o crescimento de ocupações sem contribuição à previdência não é uma boa notícia. Neste cenário, esta reforma afastará ainda mais os trabalhadores com salários mais baixos e mais afetados pela informalidade da previdência pública por não conseguirem cumprir os aumentos de exigência de tempo de contribuição. Por outro lado, a elevada informalidade reduz a receita da previdência.

Ao invés de focar na reforma da previdência como a solução para todos os problemas da sociedade brasileira, por que não voltar a falar em propostas para gerar empregos de qualidade no país e, por essa via ampliar, as contribuições ao sistema? Jogar a esperança de recuperação da economia em uma reforma que afasta ainda mais os trabalhadores da seguridade social ao endurecer as regras de acesso e que não tem nenhuma relação lógica com a retomada do crescimento é, do ponto de vista dos trabalhadores, aprofundar a crise.

Esta reforma regressiva exercerá, caso seja aprovada, impacto negativo no mercado de trabalho brasileiro, marcado pelos baixos salários e persistente excedente de força de trabalho. Ao dificultar o acesso à aposentadoria e reduzir o valor do benefício dos mais pobres, o mercado de trabalho será pressionado por um número ainda maior de pessoas tentando garantir sua subsistência em ocupações precárias. Uma vez que a renda dos aposentados garante uma contribuição substancial na composição da renda das famílias, especialmente em períodos de crise econômica e elevado desemprego, a pobreza oriunda da reforma da previdência compelirá idosos e pessoas cada vez mais jovens para o mercado de trabalho.


[1] Focus – BCB


[3] Dados do CAGED   


Autores:

Ana Luíza Matos de Oliveira

É economista (UFMG), mestra e doutora em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), integrante do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp e colaboradora do Brasil Debate

Barbara Vallejos Vazquez

É mestre em Desenvolvimento Econômico (IE-Unicamp) e graduada em ciências sociais (USP). É técnica do Dieese e professora da Escola Dieese de Ciências do Trabalho. Integra o GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp. Pesquisa mercado de trabalho e terceirização, com foco no setor financeiro.

Euzebio Jorge Silveira de Sousa

Professor de Economia da ESAGS (Certificada FGV), mestre em Economia Política pela PUC, é doutorando em Desenvolvimento Econômico na Unicamp, presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ) e membro do Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE)


Fonte: Brasil Debate

Daniel Almeida: prioridade do PCdoB é ser contra governo Bolsonaro

O novo líder do PCdoB na Câmara, deputado Daniel Almeida (BA), afirmou que a prioridade do partido nesta legislatura é se contrapor à agenda do presidente da República, Jair Bolsonaro. “Não acreditamos nela”, justifica. “Na área econômica tem uma sinalização de privatização generalizada e nós somos contra privatizar o setor elétrico, Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica e outras ações que eles pretendem fazer.”

O líder disse, ainda, que o partido se opõe à reforma da Previdência porque a proposta será pior para quem precisa de apoio dos recursos públicos na aposentadoria. “Eles dizem que é para acabar com os privilégios, mas na verdade é para maltratar os pobres. Nós não podemos aceitar o desmonte que a reforma da Previdência propõe, que é acabar com a previdência pública e entregar ao sistema financeiro”, criticou o novo líder.

Daniel Almeida também adiantou que o partido pretende debater o projeto de lei anticrime, apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. O pacote anticrime do governo altera 14 leis, incluindo o Código Penal. Segundo o líder, combater a corrupção é prioridade para o PCdoB, mas sem aumentar o grau de violência.

A bancada atual do PCdoB tem 9 deputados, um a menos que nas eleições de 2014, e um deles foi eleito pelo PPL, partido que foi incorporado ao PCdoB após a última eleição.

Fonte: Agência Câmara

Renato Rabelo: Os militares, a política, e a geopolítica

Foto: Alan Santos/PR/Agência Brasil

“O Brasil deve atuar de forma a fortalecer a multipolaridade, sem hostilizar nenhum país. E buscar uma posição de equilíbrio nas relações internacionais”.

Por Renato Rabelo*

Os militares e o governo Bolsonaro.

A formação do governo de Jair Bolsonaro, que tomou posse em 1º de Janeiro, tem uma marca acentuada da participação de oficiais militares. Além da vice-presidência da República, foram indicados oito deles, de alta patente, que gozam de grande autoridade no âmbito militar. Ocupam cargos de comando de Ministérios centrais e estratégicos. A presença de integrantes das Forças Armadas se expande para o segundo e terceiro escalões, em postos destacados, já atingindo a casa da centena. É um contingente maior em postos de primeiro escalão e em número de militares, se comparado com os governos do período do regime militar, implantado em 1964. Esse acontecimento é inédito na história da República.

As Forças Armadas, a partir do seu Alto Comando, sobretudo do Exército, desde certo momento, patrocinou de várias formas, na preparação e na campanha, a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República. Houve momento, em que esse ativismo atravessa até o rubicão constitucional, por meio de manifestação que pressionava o STF no sentido de negar habeas corpus ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, afastando-o do último pleito presidencial.

Concluída a composição do governo, que tomou o formato de um arquipélago de alas governamentais, os militares se assentam em maior participação e situam-se em centro decisório, e são mais organizados e disciplinados. É preciso assinalar — quanto a essa conformação assimétrica — o papel da família Bolsonaro, e de seus aderentes. Assemelha-se a uma dinastia política que ocupa lugar na presidência, tem ideólogo, utiliza a forma de relação direta com sua base social através das redes sociais, atravessa o interesse público, coloca-se acima dos partidos políticos e das relações público-privadas. Há indícios revelados da sua ligação com milícias do Estado do Rio de Janeiro.

Esse governo de aparência “verde-oliva”, na sua constituição, passa a contar com forte participação e opção dos militares, que parecem decididos a voltar a governar. No entanto não é evidente objetivamente que estejam unidos em torno de um projeto comum para o país. Tal resultante coloca em jogo de vários modos, o prestígio das próprias Forças Armadas em caso de insucesso. Este risco pode tomar formas acentuadas, mesmo que, os militares da ativa, o Alto Comando incluído, não se considere parte do governo. O contingente de militares da reserva no governo mantém grande autoridade entre os comandantes da ativa.

Pelo desequilíbrio emocional e primarismo que Jair Bolsonaro já demonstrava na sua carreira militar e política, parte significativa da classe dominante que aderiu a essa candidatura, para seu alivio, nutria esperança de que os militares no governo poderiam exercer um papel de controle e enquadramento do presidente. Contudo, seu governo ainda no começo já apresenta sinais de estar em declínio, pela forma como vem atuando o presidente em meio a sua família e, sobretudo, a maneira descontrolada como Bolsonaro vem se distinguindo no alto posto político de Presidente da República, aumentando a apreensão das elites dominantes para abreviar o papel conducente que esperam da parte dos militares.

Dessa situação resulta uma contradição na essência do modo de governo Bolsonaro, qual seja: o presidente eleito conduz ou será tutelado? No governo recém-instalado é difícil tutelar de imediato o presidente. No entanto, Bolsonaro enroscado em seus limites e constante desequilíbrio pode ser capaz de exercer plenamente a presidência da República? Ou poderá prevalecer uma forma de tutela que garanta a governança dentro de um rumo definido para o país? Ou o presidente apostará numa aventura autoritária?

Surge daí uma consequência de maior monta, que pode favorecer uma situação de instabilidade constante, conduzindo a desfechos de maior incerteza em relação ao governo. Conjuntura que pode se agravar neste momento de grandes exigências e difíceis escolhas estruturais para o destino da Nação brasileira. É muito grave a crise econômico-social que vive o Brasil. Em suma, a opção dos militares pela presidência de Jair Bolsonaro nessas circunstâncias é uma aposta de resultado imprevisível, um projeto cumulado de múltiplos dilemas, de escolhas difíceis.

O Brasil diante da transição em curso na ordem mundial

É pesada a responsabilidade dos militares em decorrência da opção de sustentar o governo Bolsonaro. Eles se defrontam com a questão da maior magnitude: qual o caminho e rumo que deva seguir esse governo. É aparente que o presidente apresenta uma matriz programática de saliente ímpeto autoritário, comprometido com a demolição de conquistas trabalhistas e civilizatórias, com um projeto ultraliberal de dogmatismo fiscalista superado, de pesada austeridade para maioria da Nação, com privatização de tudo e desnacionalização da economia.

E Bolsonaro é levado à defesa de uma política externa e consequente linha geopolítica, questão de função e de interesse das Forças Armadas, com uma indicação resultante de transformar o Brasil em uma base para conter ou adiar o processo de transição mundial no curso da multipolarização do sistema internacional. Ele segue uma lógica antinacional a oferecer intempestivamente uma base militar em território nacional para os Estados Unidos, a optar pelo atrelamento ao governo Trump, colocando o Brasil na rota das possíveis colisões belicosas da estratégia dessa potência imperialista. Provoca ações belicistas contra a Venezuela e incentiva uma cultura sinofóbica. Portanto é óbvia a preferência do presidente da República.

Em análise mais ampla, o mundo atual passa por mudanças de vulto, seja na base produtiva e tecnológica, seja na forma de dominação capitalista, seja nas relações de poder entre Estados-nações. É nesse contexto global que a tendência de decomposição estrutural da hegemonia dos Estados Unidos, ascenso de novos pólos de poder e crescente a multipolarização demarca o balanço de forças em movimento. É na evolução dessa situação mundial, num quadro em que reforça a instabilidade sistêmica — com implicação profunda para a Geopolítica do Brasil, a sua Estratégia Nacional — que o Brasil deveria aproveitar o espaço para fortalecer o interesse nacional, elevar o poder nacional, abrir a via de projeto próprio de desenvolvimento.

É nesse curso então, que o presidente Bolsonaro, em contraste com o interesse nacional, indica o caminho de simples atrelamento aos interesses do imperialismo estadunidense no Continente latino-americano, não escondendo seu lado de colaboração com a estratégia do governo de Donald Trump de relançamento da hegemonia norte-americana.

Contudo, o quadro global torna-se ainda mais desafiador e a questão central é: nesta segunda década do século 21 transcorre a reorganização da grande estratégia americana tendo em vista reverter sua tendência de declínio. Essa redefinição estratégica começa desde 2011, no Governo Obama. E já em 2017, no primeiro ano do governo Trump se anuncia a nova Estratégia de Segurança Nacional (SSN, na sigla em inglês), que em termos geopolíticos procura estruturar uma política de contenção à ascensão chinesa e relançamento da hegemonia dos Estados Unidos. É uma tentativa de retomar a exitosa política de cerco à antiga URSS, vigente no período guerra fria.

Por outro lado, no caso da nova potência oriental, centro da “Era Asiática”, a República Popular da China, estabelece e desenvolve a sua estratégia denominada China 2025, correlata com grandes iniciativas geoestratégicas como “Um cinturão, uma rota” — a nova rota da seda. Esse é um ambicioso programa mobilizador, voltado para atingir a supremacia tecnológica, resultante de um processo de inovação exponencial, em áreas decisivas das bases do poder mundial – Inteligência Artificia, Robótica industrial e Computação Quântica.

Então, nesse curso mundial, as grandes potências iniciam uma era de competição pelo domínio dessas tecnologias que organizarão a base material nacional e o mundo. A chamada guerra comercial é a ponta do iceberg. Mas, o centro da nova guerra global é a supremacia e domínio dessas tecnologias críticas. Hoje o fundamento nodal da geopolítica mundial são os padrões tecnológicos que adquirem as forças produtivas, que, por conseguinte, definirão as medidas de acumulação sistêmica do século atual, a capacidade de desenvolvimento econômico-social.

Diante disso não está nítido até agora como os militares que ocupam posições chave no governo vão se posicionar, no contexto governamental, acerca dessas decisivas questões geoestratégicas, porquanto, mesmo entre eles, existem controvérsias.

É lamentável se o Brasil — no momento de reorganização da ordem global — adotar uma postura de retraimento nas questões mais estratégicas e sensíveis na ordem mundial. Torna-se ainda mais danoso para nossa soberania e defesa nacional o governo tomar partido, inclinando-se pela estratégia atual dos Estados Unidos. Tal estratégia compreende a continuidade do seu hegemonismo mundial, como vimos, colocando em plano todo seu existente poderio geopolítico, econômico e militar, por cima dos organismos multilaterais, a serviço de sua predominante ação beligerante.

Ponto sensível na região, a crescente tensão na Venezuela

Ademais, desde o governo Temer desenvolve-se acelerada cooperação militar entre o Brasil e os EUA. É significativo que os militares aparentemente mantêm as diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa (END), firmada em 2008 e revisada em 2012 e novamente revisada em 2016, que por sua vez somente foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2018, e que estabelece como prioridade a integração regional, a preservação da paz e a defesa da multipolaridade.

A preocupação imediata nessa cooperação militar entre o Brasil e os Estados Unidos, o ponto sensível se refere às resultantes do acordo estabelecido, no contexto de crescente tensão na Venezuela. Há mais de uma década é decisão dos EUA a interrupção da experiência bolivariana, que vem sendo executada através de operações conducentes à guerra desde o fracasso do golpe de Estado, em 2002, que tentou a derrubada de Hugo Chavez.

É manifesto que desde o governo Temer e, agora, Bolsonaro aderiu ao projeto de isolamento e aniquilamento do governo venezuelano, “regime change” (mudança do regime) – operações de intervenção militar e ocupação dos EUA associado a OTAN na fase atual de seu domínio imperialista de hegemonia global.

Os militares no governo, o vice-presidente da República Hamilton Mourão, demonstram diferenças, parecendo acreditar que arriscar um conflito de intervenção militar na Venezuela traria consequências políticas na região e internamente, potencialmente desestabilizadoras. Neste sentido não apoiam uma intervenção militar, negam a cessão de nosso território para circulação de tropas estadunidenses.

Por outro lado, refletindo o contexto da disputa pela hegemonia mundial, a ameaça de guerra à Venezuela, contando com seu imenso potencial energético, recebe o apoio ao lado do governo Maduro da China, da Rússia, do Irã e da Turquia, transbordando o conflito neste país sul americano, por seu lugar geopolítico, para um desenho de confrontação de alcance mundial sem itinerário previsível.

A aliança do Brasil com os Estados Unidos exige altivez nacional

A contraofensiva conservadora no Continente latino-americano conduzida pelos EUA, no curso da intensificação da disputa pela hegemonia mundial, após a instauração do governo Trump, impõe uma definição na aliança do Brasil com os EUA. O Brasil enfraquece suas posições no tabuleiro onde se joga a transição a uma nova ordem mundial, rebaixa seu poder nacional e dificulta seu desenvolvimento nacional se se mantiver incapaz diante da hegemonia coercitiva dos EUA.

A viragem política progressista em grande parte da América Latina no começo do século 21 levou os países que conduziram esse processo a fortalecerem variados mecanismos de integração latino e sul-americanos, destacando-se o rompimento com a tradição secular de alinhamento automático com a política externa e os interesses estratégicos dos Estados Unidos na região. A partir do governo Temer essa situação começa a se reverter.

Agora o governo Bolsonaro dá sinais de apressar a aproximação militar com os EUA. Disso a consequência maior se refere ao rebaixamento de diretrizes que compreendem uma importante novidade geopolítica, a integração dos países sul-americanos, que ensejava oportunidade ao Brasil de agir como ator global. Anula-se na esfera da cooperação militar a instância do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), integradora de ações na área de Segurança e Defesa no subcontinente. Há recuos conceituais nos documentos estratégicos orientadores.

Uma posição de subordinação aos Estados Unidos, como também à China ou qualquer outra potência, não serve ao interesse nacional. O Brasil deve atuar de forma a fortalecer a multipolaridade, sem hostilizar nenhum país. E buscar uma posição de equilíbrio nas relações internacionais. Mesmo no período do governo militar a visão de “fronteiras ideológicas” foi abandonada para o “pragmatismo responsável” no governo do General Ernesto Geisel.

A relação do Brasil com a China deve ser valorizada, o Brasil tem uma parceria estratégica com esse gigante asiático firmado desde o governo Itamar Franco. O Brasil tem hoje com a China sua principal parceria comercial, também na área científico-tecnológica, sobretudo espacial, com resultados favoráveis ao nosso país. Nos investimentos atuais a China aceita a criação de Fundos de Cooperação, com gestão paritária, tendo representantes dos dois lados com pesos iguais. É o caso do Fundo de Cooperação Brasil-China para Expansão da Capacidade Produtiva. Sobre a iniciativa dos BRICS é predominante na atuação dos países que integram essa aliança a luta por reformas na governança sistêmica global e por criar novas instituições multilaterais de alcance mundial. Não se trata de uma política de confrontação direta e global com os EUA.

Neste momento a ação concreta que pode realçar a relação do Brasil com os EUA, um divisor de águas – alinhamento automático ou soberania e altivez – está no curso dos acontecimentos na Venezuela, diante do cerco e preparação de intervenção armada do imperialismo estadunidense nesse país vizinho. O que está em jogo na Venezuela é o princípio da não intervenção e o respeito à soberania, e o que está inscrito na Constituição: a solução de conflitos pelo diálogo e pela negociação pacífica.

O Brasil por ser um grande país da América do Sul, não pode se aliar com a superpotência estadunidense na sua orientação hegemonista e beligerante de “mudança de regime”. Desse modo não pode desconhecer o preceito constitucional e deixa de ser como antes importante negociador para uma saída pacífica para o conflito. Ademais, a posição dos EUA é uma volta ultrapassada à “segurança hemisférica” ou uma reedição no Continente da chamada doutrina de Monroe. Em tal situação tão sensível de extremo potencial desestabilizador para a região e o Brasil, o país não pode se enterrar junto à aventura imperialista alienando de forma taxativa a sua soberania. Esse é um divisor de águas, assim é uma rota que já pode denotar os propósitos geopolíticos dos militares nesse governo recém-instalado.

*Renato Rabelo é presidente da Fundação