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sábado, 19 de dezembro de 2015

BRASIL: Chacina da Lapa: a repressão mata e prende ao amanhecer

Em 16 de dezembro de 1976 a repressão cometeu um grande crime: cercou a casa onde o Comitê Central do PCdoB se reunia e atirou a esmo. Ângelo Arroyo e Pedro Pomar foram assassinados; João Batista Drummond foi morto sob tortura. Outros dirigentes foram presos e torturados. O objetivo era desmantelar a direção nacional do PCdoB. PPeA reproduz o capítulo inicial da biografia de Elza Monnerat, que descreve com maestria aquele dia terrível. 

Por Verônica Bercht



Capítulo 1 – Prisão

“Abaixo a ditadura. Viva o proletariado”. Dentro de um Volks chapa fria, encapuzada e espremida entre policiais, Elza gritou com força. O grito surpreendeu os policiais e, imediatamente, aquele que estava ao seu lado colocou as mãos sobre a boca dela, tampando-a sob o pano do capuz que escondia seu rosto, enquanto a ameaçava com palavras grosseiras.

Surpreendidas também teriam ficado as pessoas que porventura escutaram o seu grito, se pudessem ver que, por debaixo do capuz, havia uma senhora já com as marcas de seus 63 anos, de cabelos lisos e grisalhos, compridos até os ombros, divididos ao meio, cobrindo um rosto quadrado, boca larga de lábios finos e sorriso matreiro de menina.

Na noite do dia 15 de dezembro de 1976, Elza saiu da casa na Rua Pio XI, número 767, no Alto da Lapa, bairro de classe média de São Paulo. Dentro do velho Corcel azul, dirigido por Joaquim Celso de Lima, ela ia, como de costume, no banco da frente. No banco de trás, João Batista Franco Drummond e Wladimir Pomar, dois dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), iam de olhos fechados. Eles haviam saído de uma reunião do Comitê Central do partido, ilegal e perseguido. Joaquim e Elza deixaram Drummond e Wladimir nas proximidades da Avenida Nove de Julho, e voltaram para a casa da rua Pio XI onde eram esperados pela próxima dupla de dirigentes, Aldo Arantes e Haroldo Rodrigues Lima. E, mais uma vez, o carro do partido saiu com Joaquim ao volante, Elza no banco da frente e os dois companheiros no banco de trás, com os olhos fechados. Nada de anormal aconteceu pelo caminho. Deixaram Aldo e Haroldo e retornaram para a casa da Lapa.

A noite já ia pelo meio e Elza e Joaquim tinham algumas horas para descansar. Na casa, Ângelo Arroyo e Pedro Pomar, membros da Comissão Executiva Nacional do PCdoB, já estavam deitados. José Gomes Novaes e Jover Telles, do Comitê Central do partido, e Maria Trindade, militante encarregada das tarefas domésticas, também.

Por volta das seis horas da manhã do dia 16, o Corcel azul mais uma vez saiu da casa na rua Pio XI, agora levando Novaes e Jover Telles. Como sempre, Joaquim estava ao volante, Elza no banco da frente, e os dois dirigentes atrás, de olhos fechados. Tudo parecia bem. Até que Elza, que estava virada para trás olhando seus companheiros, percebeu que o carro andava, andava, dando voltas, e pensou: “Poxa, por que está andando tanto?”. Pouco depois, Joaquim disse: “Não tem jeito, eu estou sendo seguido”. E ela respondeu: “Você dá um jeito, escapa, dá uma virada daquelas que é para a gente soltar os dois”. Nesse momento, avisou os companheiros do banco de trás: “Estamos sendo seguidos, de maneira que vocês abram os olhos, olhem para o chão, mas fiquem de olhos abertos, para na hora que eu abrir a porta do carro vocês saltarem e se mandarem. Um toma um rumo e o outro toma o rumo oposto”. Logo depois, Joaquim, achando que despistara seus perseguidores, parou o carro numa esquina do bairro de Pinheiros. Novaes saiu imediatamente e Jover Telles relutou. Elza: “Desce daí, rapaz”, e Joaquim: “Desce daí, ô”. E Elza lembrou 23 anos depois: “Aquele minuto durou como se fosse uma hora”.

Assim que Jover saiu do carro, Joaquim arrancou rapidamente, mas logo em seguida, na Avenida Faria Lima, o Corcel foi cercado por quatro fuscas da repressão, com agentes à paisana. Retirada à força do carro, Elza foi encapuzada e jogada para dentro de um dos veículos.

Enquanto era levada para as dependências do DOI-Codi (Departamento de Ordem Interna – Centro de Comando das Operações de Defesa Interna, especializado em obter informações e desmontar as organizações "subversivas", um dos principais centros de tortura do regime militar), na rua Tutoia, em São Paulo, Elza, mesmo encapuzada, percebeu que as repetidas paradas do carro que a conduzia eram semáforos vermelhos e, a cada uma delas, gritava palavras de ordem a plenos pulmões, palavras que pudessem indicar àqueles que estavam na rua que ali ia presa uma mulher que lutava contra a ditadura militar.

Quando chegou ao DOI-Codi, Elza ainda não sabia que havia sido presa numa sangrenta e monstruosa operação do Exército contra o Partido Comunista do Brasil. Hoje, tantos anos depois, ela se lembra desses tempos – em que não sabia como a repressão havia chegado até ela e quais companheiros haviam sido presos também –, como um dos períodos mais difíceis na prisão. Naquele dia 16 de dezembro, nas celas do DOI-Codi, ela ouviu a voz de Maria Trindade e soube, assim, que a situação era grave: o aparelho na Lapa havia caído.

Em meio a espancamentos e ameaças, um dos agentes perguntou com ar malicioso se ela gostaria de ouvir o que dois companheiros estavam falando. Elza não se intimidou e recusou a oferta. “Estava convencida de que eram o Arroyo e o Pomar”, ela conta.
Mas Ângelo Arroyo e Pedro Pomar tinham sido assassinados naquela manhã, minutos depois de o carro de Elza e Joaquim ter sido cercado pelos policiais. Ao ser arrancado à força do Corcel que dirigia, Joaquim ainda pôde ouvir um dos agentes dizer ao rádio: “Tudo limpo. Pode tocar a operação”. Esta mensagem – recebida pela tropa de militares e policiais comandada pelo tenente-coronel Rufino Ferreira Neves, que cercava a casa 767 – liberou o “matraquear das metralhadoras” que durou quase vinte minutos – tempo “suficiente para destruir portas, janelas e basculantes e fazer cair pedaços de reboco do teto”. Era por volta de seis e meia da manhã. Maria Trindade fazia o café. Ângelo Arroyo estava no banheiro e Pedro Pomar na sala. Com o estrondo, Arroyo abriu a porta: “O que é isso?” e caiu para frente, morto. Maria Trindade, sem entender o que estava acontecendo, saiu à rua para ver. Foi arrastada por militares até um carro da repressão, presa. Naquele instante, Pomar era assassinado na sala.
Eles não sabiam, mas a casa da Lapa estava cercada havia alguns dias. Quando Elza e Joaquim saíram no dia 15 de dezembro à noite levando Drummond e Wladimir, foram seguidos por carros com chapas frias, de agentes militares à paisana. Achando que estava tudo normal, eles liberaram os dois companheiros nas proximidades da Avenida Nove de Julho. “Drummond, que iria para Goiás, foi preso antes de iniciar viagem”. Wladimir chegou a notar que estavam no seu encalço e tentou despistar os perseguidores. Livrou-se de documentos que trazia consigo, mas foi capturado na Avenida Santo Amaro, “acusado de ser puxador de carro, e aí mesmo começou a ser espancado”.

Enquanto o Corcel fazia o transporte da próxima dupla, Wladimir já estava no DOI-Codi “apanhando de soco, pau e botinada”. Antes da meia-noite, ele percebeu que Drummond também estava lá. Na madrugada, escutou gritos de dor e por volta das quatro horas da manhã ouviu “uma correria, gente descendo as escadas, uma voz pedindo médico com urgência”. Drummond estava morto.

Da mesma forma, os militares prenderam Aldo Arantes quando ele se aproximava da estação Paraíso do metrô, algum tempo depois de ter saído do carro do partido. Haroldo Lima foi seguido e vigiado até a manhã do dia seguinte e foi preso ao sair de sua casa. O mesmo teria acontecido a Jover Telles e José Novaes se – como ficou demonstrado, anos depois, no livro Massacre na Lapa –, o primeiro não fosse o traidor que havia delatado a reunião.

O massacre da Lapa encerrou de forma brutal a longa série de assassinatos cometidos pela ditadura militar contra seus opositores. Ela ocorreu já na era da distensão, com o general Ernesto Geisel na presidência, e outro, de sua inteira confiança – Dilermando Gomes Monteiro –, no comando do II Exército, sediado em São Paulo. Até 1973, os benefícios do desenvolvimento econômico haviam sido o principal legitimador da ação dos militares no poder. Alguns setores da classe média apoiavam o regime ditatorial, fechando os olhos para a repressão que corria solta e cujos horrores tinham divulgação limitada pela censura imposta aos órgãos de imprensa. A partir de 1973, as bases que sustentaram o milagre econômico começaram a ruir. “Com as crescentes dificuldades agora enfrentadas no terreno econômico, o Estado de Segurança Nacional passou a preocupar-se com a criação de novos mecanismos para a obtenção de apoio político e social”.

As mortes de Vladimir Herzog (outubro de 1975) e Manoel Fiel Filho (janeiro de 1976), assassinados sob tortura no DOI-Codi de São Paulo, provocaram forte reação, principalmente entre setores da classe média e da Igreja, para acabar com a repressão. Estimando que as forças de segurança de São Paulo eram contrárias à distensão e “redundavam em um poder paralelo que poderia ameaçar a autoridade do Executivo central e do próprio Estado de Segurança Nacional”, Geisel demitiu o então comandante do II Exército, o general Ednardo D’Ávila, atribuindo-lhe a responsabilidade pelas mortes de Herzog e Fiel Filho, e o substituiu por um militar de suas relações – o general Dilermando –, que lhe permitiria manter o controle da situação e restabelecer a hierarquia militar, quebrada pela ação autônoma do aparato repressivo. O problema para Geisel não era, evidentemente, a existência de um aparato repressivo, o exercício da tortura e a violação dos direitos humanos. A orientação dada ao general Dilermando era clara: “[Dei] instruções para que ele procurasse evitar excessos. Se ele tivesse que montar alguma operação armada, uma operação contra comunistas atuantes, que analisasse adequadamente, para verificar se tinha fundamento. Evidentemente, eu não ia tolher sua liberdade de ação. Mas que procurasse examinar todos os casos.”

No caso do assassinato dos dirigentes do PCdoB e da tortura aos que foram presos, Dilermando seguiu as instruções de Geisel, como contou em 1978 numa entrevista à revista IstoÉ: “Aquilo foi acompanhado por mais de cinco meses de antecedência. Nós descobrimos que naquele dia iria haver uma reunião em tal lugar, com a presença de tais e tais elementos, e aí fomos um pouco embromados, porque constava para nós que o João Amazonas estaria presente e o mesmo estava na Albânia [...]. Então aquilo foi uma ação exclusivamente de fundo, eu não digo militar, mas de combate à subversão.” A versão de Dilermando foi confirmada por Geisel: “Sempre se procurou acompanhar e conhecer o que o Partido [Comunista do Brasil] fazia, qual era a sua ação, como ele se conduzia, o que estava produzindo, qual era seu grau de periculosidade. Isso aconteceu durante todo o período revolucionário. [...] No fim do governo, o Dilermando, já no comando do II Exército, atuou em São Paulo sobre uma grande reunião dos chefes comunistas. A questão não era mais a força que eles tinham, mas não podíamos deixar o comunismo recrudescer. Fizemos tudo para evitar um recrudescimento das ações comunistas.”

A operação que culminaria no massacre ocorrido na Lapa foi iniciada no DOI-Codi do I Exército, no Rio de Janeiro. Em meados de 1976, o Comitê Regional do PCdoB desse estado havia sido desmantelado pelas ações dos generais Reynaldo Mello de Almeida, que comandava o I Exército, e Leônidas Pires Gonçalves, chefe do Estado-Maior, que acumulava o comando do Codi, ao qual o DOI era subordinado. Manoel Jover Telles era secretário-político do Comitê Regional e, provavelmente, foi localizado pelo Exército a partir da prisão de um integrante do próprio Comitê Regional. Preso, pactuou com os militares, cedeu informações essenciais e concordou em se deixar seguir até o local da reunião, que ele mesmo não sabia qual era. A operação do exército foi montada de forma a permitir que o delator ficasse a salvo. Por isso, foi somente após a liberação de Jover que o ataque à casa da Lapa se consumou. Novaes, que também conseguiu escapar à prisão, foi poupado por estar no carro com Jover, pois se o Exército deixasse apenas um fugitivo, ficaria evidente seu papel de delator da operação.

Os policiais que prenderam Elza talvez não fizessem ideia da importância daquela pequena mulher para o partido e para os esquemas de proteção dos quadros dirigentes na clandestinidade. Era uma figura-chave, que sempre conseguiu driblar a repressão e que, em 31 anos de militância, tinha ali sua primeira (e única) prisão. Um daqueles policiais de certa forma reconheceu isso quando disse: “A senhora, com essa cara de vovó boazinha, passou várias vezes por nós e nunca desconfiamos”.

Mesmo assim, ela não foi poupada das atrocidades cometidas pela repressão policial contra aqueles que se opunham à ditadura militar.

Referências

A parte inicial deste capítulo, que descreve os acontecimentos da Queda da Lapa, foi escrita principalmente a partir de informações que constam em Massacre na Lapa, como o Exército liquidou o Comitê Central do PCdoB, de Pedro Estevam da Rocha Pomar (Busca Vida, SP, 1987).

Outras fontes que contribuíram para essa descrição foram: Jornal do Brasil, 05-04-1992; O Globo, 1º-05-1996; e entrevistas com Elza Monnerat, João Amazonas, Aldo Arantes e Haroldo Lima.

As citações sobre a conjuntura da época em que ocorreu a Queda da Lapa constam em Estado e oposição no Brasil (1964-1984), de Maria Helena Moreira Alves (Vozes, Petrópolis, 1984), e as declarações de Ernesto Geisel encontram-se em Ernesto Geisel, de Maria Celina D’Araujo e Celso Castro (Editora FGV, RJ, 1997). A declaração de Dilermando está em IstoÉ, 13-12-1978.

Do livro: Verônica Bercht. Coração vermelho - A vida de Elza Monnerat. 2ª Edição. São Paulo, Editora Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013.


Fonte: vermelho.org.br

BRASIL: Walter Sorrentino: José Goldenberg, a era Vargas e o PCdoB

Sem um Estado nacional à altura da vocação de um projeto nacional soberano, a nação estaria de mãos atadas para fazer valer seus interesses num mundo de assimetrias de poder tão atordoantes. Sem isso, restará a esta grande nação engatar-se como vagão na locomotiva dos poderosos.



“Queria ouvir um pouco o senhor sobre os rumos da política energética nacional”, indagou a Folha de São Paulo ao físico José Goldenberg, 87 anos, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. A entrevista versava sobre a Usina de Belo Monte e foi publicada hoje. O físico respondeu: “Houve uma visão dos anos 1950 da Presidência. É uma ideia nacionalista, de que o sistema tem de ser estatal, de que as empresas estavam ganhando muito dinheiro. É uma visão ao estilo PC do B”. E mais adiante, quanto às “mágoas” das empresas do setor elétrico com o governo federal, cravou: “Tem um pouco do voluntarismo da Dilma... uma visão meio stalinista das coisas”.

Vejamos. Anos 50 se referem à era Vargas. Muitos pretenderam enterrá-la sem consegui-lo. FHC não substituiu, na história nacional, as figuras gigantes de Celso Furtado, dos boêmios cívicos e tantos outros nacionalistas daquele tempo, entre os quais avulta o estadista presidente Getúlio Vargas. Não era ele comunista nem stalinista, ao contrário, mas tinha o senso estratégico nacional.

Nem era o caso de tal enterro, mas de atualização do projeto. A obra da construção nacional está inconclusa, nos termos do tempo presente e exigente de ovo patamar. Isso tem a ver com estratégia de desenvolvimento nacional, um debate nevrálgico. Aliás, a globalização sob a égide norte-americana repôs tais exigências com ainda maior nitidez. Sem um Estado nacional à altura da vocação de um projeto nacional soberano, a nação estaria de mãos atadas para fazer valer seus interesses num mundo de assimetrias de poder tão atordoantes. Sem isso, restará a esta grande nação engatar-se como vagão na locomotiva dos poderosos.

No mínimo, o físico Goldenberg deveria ter percebido que o tema não se presta a representar um senso comum, digo, um pensamento único.

Do mesmo modo quanto ao PCdoB. Posso crer que ele não acompanhe a vida real do mais antigo partido do país em atuação sem interrupções, ao custo de muita luta e sacrifício pela liberdade, progresso social e soberania nacional. Uma pena. No fim dos anos 70 conheci o professor, antes de ser reitor da USP onde estudei, na condição de um democrata. Também porque era pai de um preso político, comunista do PCB, a quem prestei solidariedade e ajuda por razões que não vêm ao caso.

Queria crer, por estas circunstâncias, que o professor tivesse interesse em saber da démarche dessa grande corrente, mesmo discordando dela, o que respeito, como contribuinte destacado pela democracia. E que, sendo democrata como é, compreendesse que esse atributo, desligado de um projeto nacional que integre o povo à nação e alcance-lhes novo patamar civilizatório, é uma ideia manca.

O termo PCdoB, quando usado em termos adjetivos, até mesmo na mídia plutocrática, o é para indicar autenticidade. Aquela de quem reage à apostasia e descaracterização, renova o ideal, mantém sua identidade, coerência, princípios. Essa foi a base para o PCdoB, sem cabotinismo, se destacar como capaz de se renovar permanecendo o mesmo, e conquistar cada vez maior respeito e prestígio pela sua determinação e firmeza, como se viu este ano nas ruas, no movimento social, na sociedade civil e tribunas do Congresso. Uma corrente política respeitada mesmo pelos adversários políticos, no que são retribuídos.

Mas, mais que um termo, o PCdoB é um partido que tem um Programa. Não tem “uma ideia nacionalista, de que o sistema tem de ser estatal, de que as empresas estavam ganhando muito dinheiro”. Aliás, em seu Programa um dos tópicos é precisamente “o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo [dos anos 50]”.

Lá se diz: “O PCdoB está convicto de que, no transcorrer das primeiras décadas do século XXI, o Brasil tem condições para se tornar uma das nações mais fortes e influentes do mundo. Um país soberano, democrático, socialmente avançado e integrado com seus vizinhos sul e latino-americanos”. Então tem a ideia, transformada em prática política, de que o Brasil necessita de um novo projeto nacional de desenvolvimento, com aqueles atributos e mais o da sustentabilidade ambiental, que hoje, concretamente, propõe reformas estruturais democratizantes que destravem o processo de afirmação nacional, democrática e popular.

O professor erra formalmente. O PCdoB propõe, nesse projeto, “uma economia mista, heterogênea, com múltiplas formas de propriedade estatal, pública, privada, mista, incluindo vários tipos de empreendimentos, como as cooperativas”. Como se afirma no mesmo Programa: “Poderá contar com a existência de formas de capitalismo de Estado, e com o mercado, regulados pelo novo Poder [político instaurado]. Todavia, progressivamente devem prevalecer as formas de propriedade social sobre os principais meios de produção”.

Nas condições do mundo hoje, da globalização imperialista, do pós-guerra fria, em meio à segunda maior crise capitalista da história, considera que esse projeto tem no fortalecimento republicano do Estado nacional um elemento fundamental para indução do desenvolvimento, inclusive a partir de empresas estratégicas postas sob o comando dessa perspectiva, num sistema todavia capitalista.

Isso está inserido numa grande e longa transição histórica, na qual o projeto nacional de desenvolvimento representa o caminho para abrir perspectivas a um socialismo renovado, fincado no solo da história política, econômica e social do país, no caráter de nosso povo trabalhador, sem modelos pré-determinados. Socialismo que consideramos um sistema capaz de sustentar a soberania da Nação e a valorização do trabalho e que, por sua vez, não triunfa sem absorver a causa da soberania e da afirmação nacional.

É esse o programa que norteia sua ação. Pode-se concordar ou discordar com o PCdoB, mas a entrevista com o físico Goldenberg, nesse caso, incorreu em dois erros muito frequentes de quem se aventura nesse terreno do alegado anacronismo. Um o de considerar que se critica uma “era” encerrada ou que não pudesse ter ou tenha sido aggiornata. Outro, por extensão, o de se mostrar mal informado sobre tais atualizações, conferindo à crítica vieses ideologizados, com um tom adjetivo e, não raro, panfletário, rebaixando o debate de ideias.

O juízo cristalizado do professor ficou nos anos 50. Há os que cometem o erro do presentismo, que analisam o passado de modo descontextualizado, aplicando os contextos do presente. Ele no caso foi passadista, analisando o presente com os olhos de epígono, obnubilando a dinâmica do pensamento que ele critica. Pior, no caso, e incrível, é que invocou categorias do tempo da guerra fria.

Já nem falo de suas ideias sobre energia – uma dentre muitas em debate dos especialistas – apresentadas com o fervor dos donos da verdade única. E em tempo registro que a FAPESP foi constituída por projeto de um comunista na Assembleia Legislativa de São Paulo. Em época áurea, professor, quando se fortalecia o Estado nacional.

Walter Sorrentino é médico e vice-presidente nacional do PCdoB

Fonte: vermelhor.org.br