As consequências da flexibilização do isolamento social e da
reabertura dos setores econômicos são debatidas por cientistas em evento
promovido pela Fiocruz.
Os dados de contágio por covid-19 se mantiveram constantes em
um nível ainda alto ou mesmo tenderam a aumentar com a flexibilização do
isolamento social, a reabertura dos setores econômicos e o consequente aumento
da mobilidade das pessoas, a partir de junho.
Estas consequências foram debatidas por
cientistas no evento “O Brasil após seis meses de pandemia da Covid-19 – I
Ciclo de Debates do Observatório Covid-19”, promovido pela Fundação Oswaldo
Cruz, que começou esta semana. A informação é da Agência Brasil.
Na apresentação “Os cenários epidemiológicos no
Brasil: tendências e impactos na sociedade”, o coordenador do programa de
Computação Científica da Fiocruz, Daniel Villela, mostrou que a curva de
contágio no país saiu do padrão esperado para uma epidemia, que normalmente tem
um crescimento muito rápido e depois cai de forma constante. Os dados são do
InfoGripe, que monitora as internações no país por Síndrome Respiratória Aguda
Grave (SRAG).
Os gráficos do Observatório Fluminense Covid-19
mostram que Amapá, Rio Grande do Norte e Sergipe estão em verde, “vencendo” a
pandemia na análise de número de casos por semana, de acordo com a
classificação “semáforo” feita pelos pesquisadores. Ainda estão com alerta
vermelho o Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo e Tocantins. Os demais
Estados estão com a curva em amarelo, a maioria fazendo esse desenho para o
lado em um patamar alto de contaminação.
Sobre as medidas iniciais de isolamento social,
a partir de meados de março, o pesquisador diz que os gráficos refletem os
impactos positivos, apesar de não terem sido capazes de frear completamente a
ascensão da curva de contágio. “A partir da semana epidemiológica 12, em meados
de março, quando foram tomadas as decisões de restringir a mobilidade você tem
esse crescimento de SRAG, mas tem uma mudança no padrão bem claro e depois
continua crescendo. A curva mostra um efeito dessas medidas de distanciamento
social.”
Segundo Villela, o Sistema de Informação da
Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), que gera o Boletim InfoGripe,
registra que mais de 95% dos casos com confirmação da doença que levaram à
internação por SRAG no ano são do vírus SARS-Cov-2, causador da covid-19. Os
dados mostram um maior número de casos de SRAG entre idosos em 2020, quando em
anos anteriores as crianças aparecem em maior número.
O pesquisador destacou também o trabalho do
Observatório Covid-19 da Fiocruz que mostrou uma maior vulnerabilidade para a
doença entre as populações indígenas e moradores de favelas; o padrão de
dispersão do vírus no país por meio de sequenciamento genético; e definiu
critérios que poderiam ser seguidos para a retomada das atividades.
“O que nós podemos esperar atualmente é ver,
nessa questão da imunidade individual das pessoas e a imunidade de grupo, se há
um número suficiente de pessoas imunes para garantir a diminuição do número de
casos e, assim, lidar melhor com a pandemia. A questão da eficácia das vacinas
e a logística para vacinar toda a população.”
Ele afirma que a epidemia não passou e que a
flexibilização deve ser local, gradual e coordenada entre todos os níveis de
governo e entidades.
O pesquisador Guilherme Werneck, do Instituto
de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou
que a pandemia de covid-19 é “o maior desafio da nossa geração”, por motivos
como o rápido espalhamento do vírus, a taxa de letalidade relativamente alta, a
falta de vacina e de conhecimento sobre tratamentos eficazes, a ineficiência
inicial dos testes diagnósticos e também a falta de suprimentos médicos e de
equipamentos de proteção individual.
Apesar de tudo isso, ele afirma que uma
pandemia desse nível não foi uma surpresa para os epidemiologistas, que deram
vários alertas nesse sentido. “Estava claro, para todos que trabalham com
doença infecciosa, que uma pandemia por um patógeno desconhecido era uma
questão de tempo. Então a preparação para esta situação era obviamente
necessária no mundo inteiro.”
Para Werneck, o Brasil tinha condições de ter
se preparado melhor, após o aprendizado tido com a epidemia de influenza de
2009, o desenvolvimento do Infogripe, o reconhecimento internacional pelos
sistemas de informação de qualidade e alta cobertura, a quantidade de pesquisa
científica básica e aplicada, além do sistema de vigilância epidemiológica
inserido no Sistema Único de Saúde, com capacidade de resposta epidemiológica e
assistencial para uma pandemia.
“É, de certa forma, constrangedor que nós
tenhamos chegado numa situação em que existia uma ideia de como essa resposta
deveria ser dada, que o país tenha enfrentado essa pandemia de uma forma não
tão ideal como poderia.”
De acordo com Werneck, os esforços deveriam ter
sido também no sentido de limitar a expansão da epidemia no território, salvar
vidas, garantir proteção e segurança para os setores econômicos e sociais mais
vulneráveis, além de se preparar para o futuro. O pesquisador destaca também
como equívocos a ênfase na atenção hospitalar e na necessidade de testagem. Para
ele, a resposta brasileira falhou na maior parte dessas fases.
“As estratégias de contenção foram
insuficientes, como foram em muitos países. As estratégias de mitigação, depois
que a transmissão sustentada comunitária aconteceu, também foram insuficientes”.
Pelo lado positivo, Werneck lembra do trabalho
engajado da comunidade científica brasileira, que articulou várias instituições
nas ações de enfrentamento.
Para o pesquisador, o número atual de óbitos
por dia no país por covid-19, na faixa de 800, está em um nível “inadmissível”
para se fazer o relaxamento das medidas não farmacológicas e que é cedo para se
falar em reabertura das escolas.
O pesquisador Thomas Mellan, do Imperial
College London, afirmou que os dados do Brasil, principalmente os do Sivep-Gripe,
auxiliaram os cientistas estrangeiros a melhorarem a análise dos dados
mundiais.
“É uma ferramenta incrível, vem do SUS
brasileiro, e essencialmente registra os casos respiratórios numa população de
mais de 200 milhões de pessoas. No trabalho inicial todo mundo tentava analisar
os dados da China, com um número muito pequeno de pontos de dados. Temos
diferenças entre a China a Europa e o Brasil. Utilizando os dados brasileiros,
conseguimos reajustar essa distribuição, utilizando muito mais dados”.
De acordo com ele, entre as contribuições dos
dados brasileiros está a mudança de entendimento sobre o tempo entre o
surgimento dos sintomas até o óbito do paciente, que com os dados chineses era
considerado 18 dias e passou para entre 15 a 16 dias.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que
atua “permanentemente para prevenção de doenças” no país, com “pesquisas,
medidas preventivas, campanhas de vacinação, tratamentos especializados” para
“evitar a disseminação ou qualquer outro efeito na saúde da população”. Até o
momento, foram empenhados R$ 31,9 bilhões para ações exclusivas de
enfrentamento à pandemia, além de R$ 83,9 bilhões em repasses para os Estados e
município.
“A pandemia da covid-19 foi prontamente
abordada pela pasta logo que surgiram os primeiros sinais do surto da doença no
mundo. Desde o início, foram disponibilizados apoio irrestrito aos estados e
municípios na compra e entrega de ventiladores pulmonares, equipamentos de
proteção individual (EPI), medicamentos, além da habilitação de leitos de UTI e
o envio de profissionais de saúde para apoiar os atendimentos”, informa o
ministério.
Em nota enviada à Agência Brasil, a pasta
afirma também que implementou Centros Comunitários nas áreas de maior
vulnerabilidade social, como comunidades e favelas.
“O Ministério também direcionou equipes
multidisciplinares de saúde indígena para intensificar a distribuição de
suprimentos, insumos, testes rápidos e equipamentos de proteção individual aos
34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Para oferecer atendimento
rápido em situações de emergência também foi autorizado a contratação de
Equipes de Resposta Rápida (ERR) para atuar em cada DSEI”.
O Ministério afirma, ainda, que tem acompanhado
mais de 200 estudos “que buscam a identificação de uma vacina eficaz, segura e
em quantidade suficiente para imunizar os brasileiros”.
Fonte: vermelho.org.br
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