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domingo, 2 de abril de 2017

Em pouco tempo, o projeto Escola Sem Partido voltará à pauta para amordaçar os professores

Por RENATO BAZAN
Apesar do foco na Reforma da Previdência e na Lei da Terceirização Irrestrita, o retorno dos trabalhos legislativos em 2017 trará novamente a discussão sobre o Projeto Escola Sem Partido (PLS 193/2016, PL 1411/2015 e PL 867/2015), que visa neutralizar o caráter político da educação no Brasil.
Apesar da derrota sofrida pela projeto no último dia 22, quando uma decisão liminar de Luís Roberto Barroso congelou o avanço de propostas desta natureza, há pouco a se comemorar. A Ação Direta de Inconstitucionalidade ainda pode ser revertida no plenário do STF, reabrindo a avenida para os ataques conservadores à educação.
A ameaça é agravada pela disposição do relator da matéria no Senado, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), de dar máxima celeridade à tramitação, conforme admitido à Agência Senado. Outro caminha de forma independente na Câmara dos Deputados, apresentado pelo deputado Izalci Lucas (PSDB-DF). Ambos pretendem alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para punir professores que se manifestarem sobre “ideologia, religião, moral, política e posição partidária em sala de aula” - qualquer coisa que não seja aprovada pelo governo. Em uma terceira via, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) propõe outro PL para alterar o Código Penal brasileiro, incluindo o crime de “assédio ideológico” no texto, com pena de detenção de três meses a um ano.
“Trata-se de um projeto que retoma os mecanismos utilizados no período da ditadura, que impôs conteúdos e metodologias de ensino de acordo com a ideologia do golpe de 1964, que estabeleceu a censura a determinados autores alegando doutrinação ideológica e que determinou a perseguição e a repressão contra educadores não coniventes”, escreveram Claudia Dutra e Camila Moreno, especialistas em Direitos Humanos e Cidadania, à CartaCapital. Ambas integraram o MEC durante o governo Dilma.
infografico mapa escola sem partido
Apesar da liminar recente, o Escola Sem Partido avançou em quase todas as instâncias estaduais durante 2016 - algo que demonstra a grande vontade política (Fonte: EBC)

O mapa acima mostra como, em todo o Brasil, dezenas de projetos similares avançam. Todos seguem o mesmo discurso de cooptação do imaginário popular, aproveitando-se do sentimento anti-político e de certos preconceitos para obscurecer seus caráteres predatórios. Nesse sentido, o combate à ideologia de gênero e a negação da importância das Ciências Humanas têm sido um lugar-comum.
A recepção negativa das propostas é predominante entre especialistas, inclusive no Ministério Público Federal e na Advocacia-Geral da União. Em julho de 2016, o Escola Sem Partido sofreu um duro revés quando esses órgãos declararam quaisquer projetos dessa natureza inconstitucionais. “Ele está na contramão dos objetivos fundamentais da República, especialmente os de ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’ e de ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’”, escreveu o MPF, à época. A AGU, de forma similar, criticou-o duramente ao ser consultada pelo STF.
No último dia 22, a liminar de Barroso colocou outro obstáculo a projetos desta natureza: enquanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade não for julgada em plenário, a aprovação de leis similares está impedida.
Por trás da falácia
A ideia central da Lei da Mordaça, de que seria possível desvincular conhecimentos científicos e culturais da ideologia, é tão ingênua quanto esdrúxula. Revela uma profunda falta de intimidade com a tarefa do magistério, pois, ao transmitirmos conhecimento, imprimos sobre ele nossas próprias convicções. Ao mesmo tempo, exigimos dos nossos ouvintes que façam o mesmo. É um processo permanente de interferência.
A negação dessa realidade não produz neutralidade, mas um pensamento com um único ponto de vista, inquestionável. Ao criarmos uma classe de “conhecimentos aprovados”, ignoramos que todo saber é fruto de uma elaboração social, histórica e contextual. A “doutrinação” sobre a qual o projeto discorre é, na realidade, a própria discussão sobre política, comportamento e padrões morais, que faz da escola um local de conscientização.
O historiador Leandro Karnal não exagerou ao definir essa concepção anti-intelectual de “crença fantasiosa, de uma direita delirante, absurdamente estúpida” em sua última visita ao Roda Viva. “Os jovens têm sua própria opinião, ouvem o professor, vão dizer que o ‘professor é de tal partido’... Eles não são massa de manobra, e os pais e professores sabem disso”, disse. Karnal reafirmou que a escola deve confrontar ideias contraditórias.
Em essência, o discurso da “proteção ideológica” dos estudantes revela uma dupla perversidade por parte de seus propositores: primeiro, que acredita que o jovem é desprovido de filtros e julgamento, e que o processo de educação é um em que o professor domina o estudante; segundo, que enxerga a escola não como um local de confronto de ideias, mas de confirmação subserviente de valores pré-estabelecidos.
Educar para libertar
Educar não pode se limitar aos conteúdos curriculares básicos. Ser professor é estar atento ao desenvolvimento do educando, e dar a ele os espaços de debate e a participação necessários a esse desenvolvimento. O educando tem que exercer plenamente sua cidadania e pensamento crítico.
O professor doutor Gaudêncio Frigotto tece comentários contundentes contra a Lei da Mordaça em uma de suas publicações recentes, enfocando sua contradição inescapável: “Trata-se da defesa, por seus arautos, da escola do partido absoluto e único: partido da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões de mundo, de conhecimento, de educação, de justiça, de liberdade; partido, portanto, da xenofobia nas suas diferentes facetas: de gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres, etc. Um partido, portanto, que ameaça os fundamentos da liberdade e da democracia liberal”.
Combater o Escola Sem Partido, em essência, é acreditar que os jovens são capazes de pensar criticamente, e de produzir suas próprias sínteses. Igualar a abordagem crítica do conhecimento à subversão é o caminho da submissão aos poderosos - nada menos que um suicídio intelectual coletivo, arquitetado por quem não deseja ser questionado.
Devemos fazer oposição a esses avanços em todas as frentes: organizar demonstrações nas Câmaras Legislativas por onde tramitem esses projetos, publicizar as tentativas de aprová-los em segredo, cooperar com parlamentares aliados à causa da educação. Principalmente, devemos nos engajar ao máximo na discussão sobre a necessidade da educação humanizante. A hora para evitarmos o triunfo da estupidez é agora.
Por Doquinha Gomes e Renato Bazan
Artigo publicado originalmente na Revista Mátria

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