ELEIÇÕES 2022: MOVIMENTO 65

ELEIÇÕES 2022: MOVIMENTO 65
CAMPANHA MOVIMENTO 65

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O beijo no asfalto que perdura por mais de 40 anos – Por Euzébio Jorge

Esta semana tive a oportunidade de pela primeira vez assistir a versão de 1981 do filme “O beijo no asfalto”, dirigido por Bruno Barreto. O texto para o teatro foi escrito por Nelson Rodrigues e publicado em 1960. (Atenção, seguem alguns spoilers). O filme é lembrado pela grande mídia pela ousadia de mostrar um beijo na boca entre homens no cinema no final da década de 1970, porém, o texto traz diversas outras reflexões, e é chocante, ao menos para mim, a atualidade do texto. Nelson Rodrigues que sempre promovera polêmicas com seus textos e declarações, fora conhecido pela exposição não camuflada dos valores, hipocrisias e práticas da sociedade brasileira. Expunha em sua estética agressiva não só as contradições pertinentes a vida privada, mas as contradições das instituições brasileiras, permeadas por um limiar pouco definido entre o público e privado.
Em “O beijo no Asfalto” a personagem Arandir de Ney Latorraca ampara em seus braços um homem que acabara de ser atropelado por um ônibus, em seu leito de morte o homem pede a Arandir um beijo, e que Arandir ternamente o atende. Cercado por dezenas de curiosos, um jornalista sensacionalista vê a oportunidade de criar uma história extraordinária de crime passional homossexual, junta-se a um delegado corrupto e resolvem criar provas para incriminar um homem visto até então como bom cidadão, marido e trabalhador. Com uma relação promiscua entre a polícia e a imprensa, Arandir sofre todos os tipos de julgamentos por seu ato de humanidade.
Arandir leva no final do filme um tiro do moralismo hipócrita, fora assassinado não apenas pelo preconceito de quem aciona o gatilho, mas pelas pessoas que tentaram lhe impor seus valores religiosos, pela família que negara Arandir depois das mais boçais violências físicas e morais, pela imprensa que guiada por interesses mercadológicos abandona sua obrigação de informar e passa a vender notícia, pela polícia (aparelho repressor do Estado) que abstém-se desde sempre de seu compromisso com algum tipo de justiça e utiliza-se da violência moral, física e psicológica para criar uma sociedade do medo.
Não lhes parece familiar esta relação promiscua entre polícia e a imprensa, buscando incriminar quem for conveniente? Não lhes causa um desconfortável déjà vu a imposição de valores religiosos sobre com quem é “correto” se relacionar, casar, ou fazer sexo? Não é possível fazer um paralelo sobre como nos dias de hoje se retribui atos de amor, solidariedade e humanidade com violência?
Eduardo Cunha não é a única expressão do conservadorismo dos dias de hoje, mas representa a simbiose mais visível do conservadorismo doutrinário religioso, do sequestro do Estado por interesses de grupos empresariais que corrompem as instituições e promovem a violência institucional que criminaliza o povo, sua cultura e suas organizações. Em “O Beijo no Asfalto” o delegado corrupto que fralda provas para incriminar Arandir, o faz para usar a homofobia da população para esconder seus últimos atos de crime, violência e corrupção. Cunha, para tentar tirar de foco pesadas denúncias de corrupção contra si, promove tentativas de golpe contra a Presidenta da república (apoiado pela grande mídia), apoia projetos como o Estatuto da família – que atenta contra direitos LGBT – e tramita a PL 5069/2013 – que reduz autonomia das mulheres sobre seus corpos, reduzindo serviços públicos de apoio a mulheres vítimas de violência sexual.
Me causam calafrios a possiblidade de termos progredido tão pouco nas últimas décadas, ainda que trinta anos para a história do Brasil seja muito pouco, sobretudo em um país que sempre promovera conciliação ao invés de rupturas com o passado. Fruto da luta de nosso povo por direitos, democracia e, em alguns casos, mudanças mais profundas no século XX, garantimos significativos avanços institucionais na década de 1980 e avanços sociais nos anos 2000, porém, nos vemos em uma complexa quadra histórica. Em meus quase 20 anos de militância política não me recordo de um quadro tão adverso, que requeira tanta abnegação, inteligência e combatividade para ser revertido. Arandir recebeu um linchamento social por demonstrar humanidade ao beijar um moribundo em seu leito de morte. A esquerda é agredida no Brasil com o falso argumento da inoperância do Estado e de corrupção. Ao se analisar de forma menos superficial nossa conjuntura, constata-se que o ódio que emerge contra a esquerda, não é nada mais que a ojeriza que a elite brasileira tem de nosso povo e de sua discreta melhora material.
Fonte: UJS Nacional

Nenhum comentário:

Postar um comentário